13 de junho de 2017

durante anos deixei de o ver. não o procurei e creio que ele também não me procurou, a acreditar naquilo que deveras não sei. nesse tempo, fomos estranhos um para o outro mesmo quando pensámos um no outro. o pouco que dele recordei foram pequenos olhares sem importância, palavras ocasionais, um rosto antigo onde nada se lia. hoje vi-o. não o chamei. vi-o passar do outro lado da rua, caminhava rapidamente, sozinho, com um olhar assertivo e compenetrado, vestia umas calças de ganga e um casaco azuis. ocorreu-me imediatamente que pode bem ter sido a última vez que o vi e um prazer súbito mas incompreensível assomou ao meu espírito. não pensei em mais nada até que desaparecesse ao fundo da rua contornando uma esquina, mas agora que estou a salvo interrogo-me: o que fez o meu coração disparar? que fragilidade insuperável se instalou sem o envolver? pouco mais somos que fogos involuntários cuja existência só é revelada quando tudo ardeu.