28 de janeiro de 2017
Sempre quis ter um enxoval. As famílias de amigas minhas de infância colecionavam para elas toalhas de renda, conjuntos de lençóis e de tupperwares, faqueiros, loiças, tudo guardado numa grande arca de madeira para usar depois do casamento. Lembro-me da minha avó dizer que «era preciso fazer um enxoval para as miúdas» mas nunca aconteceu, em parte porque não havia dinheiro, em parte porque os tempos mudaram rapidamente e se entendeu que, ainda que viesse a casar, não era necessário levar um enxoval. A minha melhor amiga tinha uma dessas arcas. Quando a mãe a abria, sempre em ocasiões especiais como o Natal ou os aniversários, tinha uma oportunidade de ver o que continha e admirava as toalhas brancas de linho e renda que se encontravam logo em cima. Estava cheia no limite do espaço e, como num arquivo, quando se recebia um presente destinado a uma das camadas inferiores, tinha de se despejar o conteúdo das superiores, para guardar os objetos novos no local devido. O quarto ficava então cheio de artigos para a casa espalhados por todo o lado, cuidadosamente dispostos em cima da cama e da cómoda, incluindo os saquinhos de alfazema. Sentia uma enorme atração por mexer naquelas coisas, vê-las de perto, abrir as toalhas, cheirar os lençóis, experimentar as combinações de seda — e não podia. Quando saí de casa, comprei o necessário e desde aí acumulei poucas coisas; parece que à medida que os anos passam são cada vez menos aquelas de que preferia nunca ter de me separar. Ainda assim, continuo a gostar destas arcas fechadas anos a fio, destinadas a um futuro utopista, cheias de coisas belas. Se eu tivesse um enxoval, o mais provável era não lhe mexer e ficar a admirá-lo, como se admira uma caixa de recordações.