30 de outubro de 2016

T. vai à varanda e de lá vê o espaço cheio de libélulas que, como um comboio infinito, não param de passar. atónita, fica imóvel, algumas passam perto do seu nariz, outras longe, do outro lado da rua, e entre umas e outras há pouco espaço vazio. passam rapidamente, para onde vão?, pensa, e porque passam pelo meio das ruas da cidade? horas depois, as libélulas continuam ainda o seu périplo. depois de ir à cozinha várias vezes espreitar pela janela para ver se desse lado da casa também vê alguma, T. senta-se na varanda a observá-las. uma urtiga cresce esplendorosamente num vaso e noutro erva, já muito alta. um pequeno verde, uma ilusão de campo, como se fosse o suficiente, pensa. as libélulas não podem escapar à sua viagem para outro continente tal como eu, aqui e agora na minha varanda, não posso escapar à minha solidão. ambas são inexoráveis. depois T. levanta-se, fecha a porta que dá para a varanda e entra em casa. o voo das libélulas resiste, não lá fora perante o seu olhar, mas como recordação. há neste mundo libélulas que, sem hesitação, encontram acordo para se agruparem e atravessar continentes, passando pelo meio das ruas de uma cidade. a alegria e a perfeição dessa recordação ombreava a da sua existência, também ela um périplo silencioso.