A vida é como um manto em que se arrastam todas as fúrias e ternuras
do mundo, e que deixa ficar por toda a parte alguma coisa do seu calor e
do seu peso. O manto estende-se e envolve-se, descobre e oculta,
agasalha e expõe ao frio; o manto é de farrapos imensos onde se embalou a
morte. Desdobra-se, e parece mesquinha urdidura; chega-se aos olhos e a
sua cor apaga-se, atira-se no vento e ele cobre os astros inteiramente.
Todos transportam o manto nos seus ombros e o levantam à altura do
coração, e deixam que ele caia no pó e o perdem nos caminhos onde acaba a
história do homem. (...). Não se lê nem se escreve o manto; não se pensa
nem se move sequer. Mas todos os descontentamentos ele protege, todas
as ignorâncias ele vence, todas as solidões ele inspira e transfigura.
Agustina Bessa-Luís, O Manto (inédito).