5 de março de 2015
o que guardo da indisciplina, da desobediência e da insubordinação, é o melhor da vida. o ser humano não é livre porque é humano, mas porque, como todos os seres, participa da liberdade, que é a essência do ser em geral. historicamente, conceptualmente e politicamente, a liberdade constitui-se como uma articulação problemática, um problema metafísico e uma questão antropológica. contudo, aquilo a que me refiro como o melhor da vida, sendo liberdade e por isso participando da essência do ser em geral, se assim o posso dizer, escapa-lhe absolutamente. ver o tempo passar, na pele, no mundo, na natureza, imersa no inescrutável silêncio do mundo, não é mais do que contemplar a necessidade sem princípio nem fim a que tudo está submetido. aí reside a alegria, aí reside a melancolia, a alegria melancólica, de quem vive e vê a morte aproximar-se. ao contrário do que poderá pensar-se, não há nisto desespero, terror, sequer mesmo contradição. em todo o nosso corpo só há lembrança. a presença está em suspenso nesse espaço onde a abertura eclode, na casa onde somos acolhidos pela nossa própria inumanidade, vácua, oca, vil, sombria e sublimemente intrincada. e as mãos são o traço inconcebível desse compromisso extremo, ilimitado e mortal, absoluto e finito. assinalam o compromisso do corpo na abertura ao trânsito do limiar, onde a procura é interminável e onde o silêncio é a única coisa que aparece.