o palácio fronteira foi o lugar que mais amei ao longo de dezenas de anos em Lisboa, sem nunca lá ter entrado. não queria ir, queria amá-lo à
distância, imaginá-lo, seguir o seu rasto como uma coisa viva. li muito
sobre ele. há um ano, apenas, fui lá. aconteceu por mero acaso, falei nele a um amigo, que nunca tinha ouvido falar e me perguntou de seguida «queres ir lá amanhã?», convite a que, para minha surpresa, finalmente, o meu coração não se fechou.
entre as muitas histórias que li sobre ele, havia a história do seu proprietário Fernando Mascarenhas. conheço pessoas que o conheceram e me trouxeram essas histórias em segunda mão, desconhecendo no entanto o porte do meu fascínio enquanto as ouvia. achava curioso que a descrição do marquês exigisse tantos ou mais pormenores que a descrição do próprio palácio: as pessoas chegavam a descrever o tom da sua voz. morreu na semana passada sem que tivesse chegado a conhecê-lo. tinha julgado que era inevitável encontrarmo-nos um dia, que por dezenas de anos que passassem haveria de chegar o dia certo, e lamentei que não fosse também ele um palácio, com paredes sólidas e um cortejo de gerações a cuidar da sua manutenção. no dia em que visitei o palácio fronteira, fiquei a saber também por acaso, que ele estava numa sala contígua àquela em que me encontrava. na altura bastou-me isso, decidi que não o veria nesse dia. hoje deparo-me com a força da fatalidade, imensuravelmente superior à do meu destino, pois até as nossas fantasias lhe pertencem.
que digo... até? mas o que é o meu destino senão uma fantasia do princípio ao fim? todas as portas que atravesso, as pistas que persigo, estes sons que redefinem e transfiguram o espaço, estou a sonhá-los, a imaginá-los. são eles a única coisa que entendo em estar viva, o mundo escapa-me com violência. não sei, não posso explicá-lo, não posso entendê-lo. sem dúvida por isso ele ainda me espante.