8 de novembro de 2014

Ao contrário do que o frei bento domingues disse ao antónio lobo antunes, "não vou ao cemitério porque não está lá ninguém", eu vou precisamente por isso, ruas e ruas sem viv'alma até se perderem lá ao fundo no rio por entre os contentores dos cargueiros azuis, os ciprestes empurram-nos para uma verticalidade, e as ruas descem a pique, não há nada que seja deitado no cemitério e é lá que se respira fundo ao longo da estrada e se assobia de volta a casa (é ao virar da esquina). Encontro aberta a drogaria cujo dono tinha morrido de velho (ainda lhe comprei uma pá e uma vassoura) e há meses se encontrava fechada com os alguidares todos lá dentro, os diluentes, as ceras acrílicas, o mosaico hidráulico, e um letreiro na porta a dizer "trespassa-se". E agora de novo aberta, e não reabriu para uma loja com aquelas ideias de ser-outra-coisa-com-o-que-já-tinha, tipo livraria com baldes pendurados em volta, ou café enfeitado a bisnagas de brilhantina, não, continuou a ser drogaria, com as mesmas coisas que lá estavam, apenas com uma pessoa diferente atrás do balcão. É simples, acaba a lixívia, repõem-se a lixívia. Soy un hombre feliz, y quiero que me perdonen por este día los muertos, de mi felicidad.

Miguel Castro Caldas