Ao contrário do que o frei bento domingues disse ao antónio lobo
antunes, "não vou ao cemitério porque não está lá ninguém", eu vou
precisamente por isso, ruas e ruas sem viv'alma até se perderem lá ao
fundo no rio por entre os contentores dos cargueiros azuis, os ciprestes
empurram-nos para uma verticalidade, e as ruas descem a pique, não há
nada que seja deitado no cemitério e é lá que se respira fundo ao longo
da estrada e se assobia de volta a casa (é ao virar da esquina).
Encontro aberta a drogaria cujo dono tinha morrido de velho (ainda lhe
comprei uma pá e uma vassoura) e há meses se encontrava fechada com os
alguidares todos lá dentro, os diluentes, as ceras acrílicas, o mosaico
hidráulico, e um letreiro na porta a dizer "trespassa-se". E agora de
novo aberta, e não reabriu para uma loja com aquelas ideias de
ser-outra-coisa-com-o-que-já-tinha, tipo livraria com baldes pendurados
em volta, ou café enfeitado a bisnagas de brilhantina, não, continuou a
ser drogaria, com as mesmas coisas que lá estavam, apenas com uma pessoa
diferente atrás do balcão. É simples, acaba a lixívia, repõem-se a
lixívia. Soy un hombre feliz, y quiero que me perdonen por este día los
muertos, de mi felicidad.
Miguel Castro Caldas