9 de setembro de 2014

Quando a primavera começava, a minha irmã e eu demorávamos mais tempo a chegar a casa da minha avó para almoçar. Pelo caminho estávamos atentas às flores que podíamos comer e que pendiam dos arbustos nos quintais ou nasciam em bermas de estrada. Comê-las era o resultado de uma aprendizagem que agora podíamos continuar a desenvolver. Ou seja, por vezes comíamos o que não devíamos. As primeiras a aparecer eram amarelas e cresciam por toda a parte mal despontavam os primeiros raios de sol. Arrancávamo-las sem raiz e mascávamos o caule ácido deixando a flor. As preferidas eram cor de laranja mas tínhamos de esperar o início do verão para as começar a ver. Em forma de trompete, nasciam em cachos numa trepadeira que caía dos muros. Dentro guardavam uma espécie de mel, tão doce que tínhamos de afastar as formigas antes de o sorver. Cuidando de não estragar as pétalas, que continham o licor, soprávamos para as expulsar e sorríamos uma para a outra num silêncio cúmplice, antes de dar destino às que estavam coladas. Bebíamos como de um copo e porque o prazer era curto arrancávamos outra de seguida.
Sei que alguma criança, porventura numa aldeia portuguesa, continua a saber comer flores. Mas os adultos que as ensinam são quem admiro profundamente. São eles que enfrentam a comunhão, palavra imunda, como a natureza.