23 de setembro de 2014

Estou a subir a escada da rua de São Bento que vai dar à Assembleia da República concentrada no que vou ter de fazer dali a cinco minutos e um som estranho à paisagem perturba-me, forçando-me a abandonar os meus pensamentos. Mal acabo de a subir, tenho à minha esquerda um homem sentado no muro, voltado para a Assembleia. Camisa de xadrez, boné ribatejano, perna cruzada. Tem um pequeno rádio na mão, como esses usados para ouvir o relato da bola. É isso que me confunde e me parece estranho no som. Não é um relato. Apuro o ouvido, procuro isolar tudo o que não seja o som que sai do rádio e percebo que é um rancho. Um rancho a cantar canções tradicionais. Em milésimos de segundo, olhamo-nos. Ele mostra-se imperturbável. Há no seu olhar uma ferocidade que me provoca uma certa inveja. É demasiado tranquila. Como se fôssemos de países diferentes e ele mo afirmasse. Noutra língua. Que eu gostaria de saber falar.