24 de setembro de 2014

Estava há uns dias em convalescença em casa, depois de umas semanas num coma inesperado que, entre outras complicações, resultou numa paragem cardíaca da qual tinha sido difícil regressar. Andava de muletas, tinha um fémur partido, e pouco mais podia fazer senão esperar. Um dia, os meus amigos ligaram-me e disseram-me para estar pronta para sair no dia seguinte cedo. Avisei-os que mal podia andar, onde é que vamos, o que é que vamos fazer, olhem que eu não posso, não disseram. Na verdade eu não tinha vontade de sair de casa. Onde estava melhor era a olhar para nada e que me deixassem estar, sossegada. No dia seguinte vesti qualquer coisa a custo e à pressa, porque eles sempre apareceram. Íamos a qualquer lado de carro. 
Lembro-me que a minha primeira surpresa foi sentir que o meu silêncio não era desconfortável dentro do carro. As conversas entre eles eram as mesmas. A intimidade entre nós prevalecia apesar de eu já não saber muito bem onde estava nem quem era. A certa altura vi o mar no horizonte. Estacionaram junto da areia. Saí do carro e eles começaram a caminhar em direção à água. Mas olharam para trás. As dores e a inexperiência com as muletas não me deixavam avançar. Estava encalhada, a olhar para os pés e a preparar-me para me sentar por ali. Eles voltaram para trás, tiraram-me as muletas e dois deles levaram-me ao colo até à beira da água. Ficámos ali até o sol se por.
É tudo.