24 de setembro de 2014

Ao que mais tarde me disseram, devo ter-me mantido excepcionalmente silencioso, e por isso deduziram que, ou morreria muito depressa ou, se sobrevivesse aos primeiros tempos críticos, seria muito apto para o adestramento. Sobrevivi a esses tempos. Soluçar surdamente; caçar pulgas até à dor; lamber com lassidão uma noz de coco; golpear a parede do caixote com o crânio e deitar a língua de fora a quem se aproximasse - tais eram as primeiras ocupações da minha nova vida. E no meio disso tudo uma só evidência: não há saída. É claro, hoje só com palavras de homem posso transmitir o que então sentia como macaco, e por isso mesmo o desvirtuo, mas mesmo não podendo já atingir a antiga verdade simiesca, que ela corresponde pelo menos ao quadro geral que tracei, não há quaisquer dúvidas. 

Franz Kafka, Relatório a uma academia, in Os Contos.