25 de agosto de 2014

Uma pessoa ofereceu-me um quadro com a imagem que tenho de mim própria. É o perfil de uma mulher sentada que olha para o vazio. Não se vê o seu olhar, não se sabe para onde é dirigido. Está sentada numa cadeira. Ao fundo está um móvel com algumas louças em cima e à direita dele um cortinado. É possível que ela olhe para o espaço para lá de uma janela ou para o espaço que medeia entre si e a janela. Vemos o seu cabelo louro cair sobre os ombros, um vestido azul claro antiquado.

Não tenho outro significado para o amor.

Que perigo maior do que ver o múltiplo unificar-se? O sentido dos nossos gestos escapa-nos. No limite talvez nem exista. Aquilo que defendemos é tenazmente obscuro. Acredito nessa obscuridade, para lá de tudo, uma obscuridade lodosa, inegligenciável, que nos racha como um talhante. O que acontece é precisamente o silêncio. Sou eu esta mulher sentada a olhar para o vazio ou para o espaço além da janela, à espera. Por vezes sorri mas ninguém a vê sorrir. Nunca fala. Ninguém a vê fazer nada senão esperar. O seu mistério é inacessível e abominável, sólido mas aviltante. Se pronunciasse uma palavra, seria para mostrar que não tem vergonha nem orgulho em ser observada. Ela vive onde o cabelo cresce, lento e silencioso território, intocado.