Sexta-feira de manhã [5 de Junho de 1942],
às sete e meia, na casa de banho.
Esta
tarde vi gravuras japonesas com o Glassner. E de repente fiquei a
saber: é assim que eu quero escrever. Com um espaço imenso à volta das
palavras. Detesto muitas palavras. Quereria escrever somente palavras
organicamente inseridas num grande silêncio, daquelas cuja única
utilidade é dominar o silêncio e rasgá-lo. Na realidade as palavras
devem acentuar o silêncio, tal como naquela gravura japonesa com o ramo
florido para baixo, para o canto. Umas ténues pinceladas - mas com que
olho para reproduzir o mais pequeno pormenor - e, à volta delas, o
grande espaço, mas não um espaço representando um vazio, mas sim,
digamos, um espaço com alma. Detesto uma acumulação de palavras. Na
realidade pode usar-se poucas palavras para nomear as grandes coisas que
importam na vida. Se algum dia chegar a escrever - o quê, sinceramente?
- gostaria então de pincelar algumas palavras sobre um fundo mudo. E
há-de ser mais difícil de reproduzir e animar esse silêncio e essa mudez
do que achar as palavras. O importante será a relação justa entre
palavras e silêncio, um silêncio no qual acontece mais do que em todas
as palavras que uma pessoa consiga reunir. E em cada novela - ou seja lá
aquilo que for - o fundo em silêncio terá de ter um matiz e um conteúdo
diferentes, exactamente como acontece nas gravuras japonesas. Não se
trata de um silêncio vago e inatingível, esse silêncio terá também de
ter os seus próprios contornos definidos e a sua própria forma. E, por
conseguinte, as palavras deveriam servir somente para dar forma e
delineação ao silêncio. E cada palavra é como um pequeno marco ou um
pequeno relevo ao longo de infindáveis caminhos planos e extensos, e
vastas planícies.
(...).
Etty Hillesum, Diário 1941-1943.