3 de julho de 2014

Disseram-me que o elefante que recolhia amendoins da nossa mão no Jardim Zoológico e depois tocava o sino, morreu. Disseram-me, a meio de outra frase: claro. Claro que morreu, claro que era velho. De facto, provavelmente seria velho até quando nasci, mas nunca tinha imaginado a sua morte e por isso a notícia chocou-me, um pouco como se tivesse recebido a notícia da morte de um amigo que vivesse noutra cidade. Gostaria de ter assistido às suas exéquias e tenho pena de não poder voltar a vê-lo. O elefante deixou de estar , do outro lado do fosso, a comer amendoins e a tocar o sino.
A conversa tinha contudo começado com a história da sua vinda para Portugal. Este elefante terá pertencido ao tio avô de um amigo que vivia em Angola e que, depois de ter tido alguns problemas com ele, o ofereceu ao novo Jardim Zoológico de Lisboa. De súbito, fico a conhecer uma pequena parte da vida daquele que foi o ser mais amado na minha infância, justamente o início e o fim de uma longa vida, pois ele era velho quando o conheci, o que na altura me causou enorme espanto e estranheza, porquanto aquele que eu tinha longamente imaginado em devaneios solitários, comigo no dorso, a voar, era robusto e jovem. O elefante velho do Jardim Zoológico estava afastado de nós por um enorme fosso, recebia amendoins e tocava o sino mecanicamente, uma vez após a outra, ao serviço de adultos e de crianças, a ponto de a intervalos o esconderem para descansar. No momento que se seguiu à explicação do motivo do seu desaparecimento, ninguém poderia ter imaginado que no profundo e incompreensível silêncio em que mergulhei o resto da tarde, se escondia ódio contra todos os presentes, os meus pais incluídos, cuja voz denunciava em primeira fila indiferença e mesmo apatia perante a situação. A situação. O elefante dos meus devaneios, sobre quem pedia muitas vezes para me falarem outra vez, era inteligente, amável, gostava de brincar, era tão poderoso que aceitava amendoins das nossas mãos. Em suma, era livre.
Poderá esta ter sido a primeira vez que me vi rodeada de mutismo? Tinha chegado ao Zoológico cumprindo uma ansiada promessa, e aquela, pensava eu, seria a primeira de muitas visitas. Demasiado consciente de um ódio que nasceu contra a minha própria infância, nunca lá voltei.