13 de novembro de 2013

Do que me lembro é de pensar que tudo era uma história.
Por exemplo, quando passava de mão dada com a minha mãe em frente à oficina do cesteiro que havia no andar de baixo da casa ao lado da minha casa. A secreta excitação à ida e ao regresso da praia, uma vez por ano, para ver a estrada dos ciprestes (ainda lá estão). Quando me levavam à alfaiataria do meu avô. Quando entrava no pequeno anexo no quintal da casa dos meus bisavós. Quando chegava ao recinto da escola, o espaço vazio primeiro e ao fundo os pavilhões à volta, as oliveiras atrás deles, a cerca de arame e lá fora a estrada em direcção à autoestrada, à saída. Enquanto dava as primeiras passas no meu primeiro cigarro, um SG Gigante, deitada no colchão no sótão e expelindo o fumo contra a luz que entrava pela janela no tecto sem tossir uma única vez.
Tudo era uma história, tudo haveria de ser uma história. E o esquecimento?, pensava eu enquanto olhava a longa mesa de madeira maciça na alfaiataria do meu avô, marcada por inumeráveis cortes, marcas de caneta, manchas. Como lidar com o esquecimento quando quisesse lembrar; e quando seria isto? Não sabia. E no entanto o que eu vivia era já futuro, feito para o futuro, uma escarpa cujo horizonte estava no futuro. E o que eu via era frágil.
Fazia listas. «Mesa de madeira, tesoura grande e pesada de metal, veludo dos cortinados, mais escuro aqui, muita luz naquele canto, a régua de madeira com um formato estranho e com o dobro da minha altura, giz com a aparência de uma borracha, a posição da minha avó a coser, o vulto a subir as escadas em caracol, um cliente, os pontos a linha branca nos fatos a serem experimentados ainda sem mangas, os provadores de madeira com pinturas, o manequim sem cabeça e sem pernas, o ferro de vapor num local para onde era impossível encaminhar-me sem começar logo a ouvir muitos gritos», uma vez apenas me lembro de ter chegado perto, fiquei à beira dele sem me mexer apesar de não ter água nem estar quente, esperei serenamente os gritos e aproveitei para observar tudo o que podia o mais rápido que pudesse, uma vez apenas me lembro de ter chegado perto, a minha cabeça ficava abaixo do ferro, pus a mão na boca, sentia nisso satisfação, a saliva abundante e quente nos dedos, a luz era diferente no local onde estava o ferro e eu nunca podia ir e pensei que talvez a visse assim porque era a primeira vez que a estava a ver, uma vez apenas me lembro de ter chegado perto e ter pensado tens de te lembrar.