15 de setembro de 2013

Eu estava sozinha mas eram poucos os momentos em que me permitia ficar nesse encontro com a minha própria amplitude, sem acrescentar nem ocultar nada para poder parecer menos isolada ou menos diferente. Havia nisso um sabor supremo. Uma serenidade. E eu tinha um ritual para o saborear.
No meu quarto em silêncio, ficava a escutar atentamente uma linguagem que por vezes não compreendia. Encontrava através dela uma mulher a nascer mas a grande maioria das imagens permaneciam misteriosas. Sem as distinguir suficientemente, não sabia que qualidade do assombro existia nela. Interrogava-me se, como num livro de crianças para pintar, teria de ser eu com o tempo a definir as suas cores. Ou se simplesmente um dia seria ela a engolir-me. Certo é que queria apoderar-me daquela música. Queria dominá-la, que é o mesmo que dizer que queria poder ouvir tudo, sem véus, sem enigmas, e traduzi-la.
Descia à cidade depois do jantar mas não ia directamente para a praça encontrar os amigos que me esperavam. Fazia um desvio.
Entrava nas ruas escuras, onde era suposto não ir. O caminho era mais longo do que o habitual e o movimento na rua era diferente. Por vezes, ninguém. O nevoeiro subindo do rio, o bafo da minha boca, sons de pequenas pedras a rolar, animais que passavam. Outras vezes desconhecidos. Pessoas mais velhas que eu encostadas à parede de uma casa a fumar ou sentadas nos degraus de um edifício. Conversas que se interrompiam quando eu passava. Olhos. Uma liberdade virgem que a esforço não me fazia sorrir.
Entrava no salão de jogos, o maior, cheio de fumo, muito barulho, onde iam as pessoas mais velhas e portanto eu não podia entrar. A vibração mudava assim que eu me aproximava e aqueles que estavam à entrada me viam. Dirigia-me à Jukebox e punha a tocar o Wild Thing do Jimi Hendrix. Enquanto a música tocava eu dançava, cantava e sorria quanto fosse a minha vontade. Vivia aquilo que estava a viver, tudo o que em mim estava a viver. Sobretudo o indecifrável.