15 de setembro de 2013

Entrámos finalmente no jardim. Nunca lá tinha estado, era enorme. Começámos a descer a colina da entrada e observei o horizonte verde onde grupos de crianças corriam sobre o relvado, várias pessoas se reuniam em redor de toalhas estendidas sobre a terra, havia jogos de raquetes, namorados escondidos atrás de arbustos ou abraçados ao sol, bandos de pássaros chilreavam e levantavam voo da copa das árvores. Enquanto os amigos com quem estava começavam a escolher um lugar para ficarmos, notei ao longe um engenho colorido que nunca tinha visto. Parecia ser um carrossel. Havia contudo naquele carrossel qualquer coisa de extraordinário que me atraía inexoravelmente. A partir do momento em que o vi, longínquo, ao fundo do jardim, não consegui mais desviar dele a minha atenção. Ao contrário, chamei os meus amigos. Procurei dizer-lhes como estava ali à nossa frente, a poucos passos de nós, a coisa mais assombrosa que alguma vez tinha visto e que devíamos ir lá. Mas nenhum deles olhou para o engenho ou para mim. Portanto comecei a atravessar o jardim em direcção a ele.

Será difícil descrever esta máquina. Na sua base estava o casco de um grande barco em madeira. O mastro principal era cruzado por uma verga de igual tamanho e em cujas extremidades rodavam quatro cascos de embarcações, igualmente de madeira, duas de cada lado. Com o interior encostado ao interior do outro casco, faziam lembrar nozes, um pouco mais pequenas que o barco de madeira na base da estrutura. Das extremidades da verga ao topo do mastro, pendia uma corda com bandeirolas coloridas, semelhantes às bandeiras tibetanas de orações. Chamo-lhe máquina ou carrossel porque, para além de parecer haver alguém a vigiar, à excepção da base e do mastro principal, tudo estava em movimento. As cascas de noz giravam na horizontal e na vertical, rodando uma sobre a outra, em simultâneo, o mesmo movimento de cada lado, e a verga rodava a grande velocidade. Era um movimento impossível. Tinha de perceber como funcionava e para que servia.

Depois de caminhar durante muito tempo, alcancei o fim do jardim onde encontrei um lago dentro de uma caverna. Para ver a máquina teria de o atravessar mas não sabia como pois a única coisa que os meus olhos podiam avistar ao redor era pedra. Hesitei durante alguns minutos, tentando encontrar uma solução. Não sabia nadar e seja como for não sei se poderia nadar aquela distância. Do outro lado do lago, a máquina continuava a girar. Distinguia-se agora melhor a pessoa que se encontrava perto da base, caminhando de um lado para o outro lentamente. Não havia mais ninguém para além dele perto da máquina. Como um druida, tinha um capuz e uma espécie de cajado, mais ou menos da sua altura. Podia ver-se a sua longa barba branca. Já me tinha visto.
Olhei para a máquina. Precisava de a ver de perto. As águas negras do lago ocultavam a sua profundidade e espelhavam-se no tecto da gruta, reflexos verdes, azuis, amarelos, o mundo negro, onde as aparências deixam de ser, começava ali. Olhei para os meus pés perto da água. Ondas minúsculas batiam na rocha. Decido avançar, coloco um pé sobre a água.

Mal me preparo para dar um passo sobre a água fico nua. Estou neste momento em pé dentro de uma pequena embarcação que avança a remos. O remador coloca uma capa negra sobre o meu corpo imóvel. O druida está voltado para mim e espera-me.

Chegamos ao outro lado do lago. A embarcação pára para me deixar sair e volta a partir. Estou finalmente diante dele. É colossal. O movimento dos cascos é prodigioso. Estou siderada, penso, tento pensar mas não consigo encontrar um correspondente em nada que tenha visto ou ouvido relatar. Estou também a ignorar o druida, que se mantém num dos lados da máquina e me observa durante alguns minutos até começar a falar:

- O que vieste aqui fazer?
- Vim para ver.

Menti. Não sei porquê. Na verdade eu tinha feito a viagem para entrar na máquina e experimentar o seu movimento. Lembrei-me que estava nua por baixo do manto negro e tive medo. Queria perguntar-lhe qual era a moeda que tinha de pagar para poder dar uma volta no carrossel mas o meu ego causava-me embaraço. Ele continuou a falar.

- Vieste para dizer a palavra.
- Qual palavra?
- Tu sabes a palavra.

Então o druida removeu o seu capuz. Era um velho de barbas brancas que me olhava com o meu próprio rosto. O meu rosto masculino e envelhecido. Havia uma grande atração entre nós, que eu talvez não possa explicar. Ainda em choque, senti que poderia morrer às mãos dele. A sua mão ergueu-se com uma grande espada e quando me cortou o pescoço, a luz que emanei devolveu-me à vigília. Acordei a sorrir.