23 de julho de 2013

Num Colégio de freiras, como podem imaginar, as histórias são aos milhares. Aquilo que cá fora poderia ser um detalhe disperso entre outros detalhes insignificantes, lá dentro torna-se acontecimento excepcional, singular ou mesmo assombroso.
Na altura em que as meninas percebem que podem ser mulheres, não havia meninos no meu Colégio. Os meninos eram seres de outro mundo, do outro lado do muro, que nos despertavam curiosidade e sentimentos incompreensíveis e inomináveis, como o desejo. Portanto entre nós, as meninas, não se falava de meninos, mas sim daquilo que nos poderia conduzir aos meninos. Por exemplo: um dia entrei no recinto atrasada e as raparigas da minha turma estavam numa roda, muito apertada, a falar. Entrei na roda a pensar que alguém tinha trazido um brinquedo novo para o recreio, para descobrir que uma delas tinha estado a ver uma Enciclopédia da Vida Sexual, dos pais, e sabia duas coisas: o que era o sexo e como dar um beijo na boca. No intervalo seguinte, os segredos seriam desvendados.
Ela desenhou na areia do chão o sexo de uma mulher (parecia um figo) e o sexo de um homem (não percebi) e explicou como se fazia. Depois, explicou que para dar um beijo na boca tinha de se usar a língua. E isso foi o fim. «A língua?????». Isso fez-nos esquecer imediatamente a primeira parte. Por muito que ela nos repetisse o que tinha lido, nenhuma de nós conseguia perceber como era possível que os adultos andassem a fazer uma coisa tão nojenta e depois nos dissessem para não fazer isto ou aquilo. Qual era a moral? Perante a nossa confusão, a minha colega de turma encostou o braço à boca e simulou um beijo contra a pele. Seguiram-se vários minutos de silêncio. A campainha tocou enquanto outras colegas procuravam repetir a simulação e os braços já andavam de boca em boca. Eu não me conseguia decidir entre a repulsa e o pudor e mantive-me imóvel a olhar para elas. Como em muitas outras situações, de repente, já não me interessavam os beijos na boca. Estava apenas a observar aquelas raparigas lambuzarem os braços umas das outras à procura de um beijo que não tardaria a chegar, e via beleza.
Enquanto episódios como este se sucediam, os rapazes faziam fila com as suas bicicletas à porta do Colégio. Cada dia eram mais numerosos. À porta do Colégio, do outro lado da rua, havia uma casa amarela, como um muro e um portão. De cada lado da casa, duas ruas com árvores, que iam ambas dar a minha casa. A rua principal, a que passava entre a casa amarela e o Colégio, dava para um lado para a saída da cidade e para o outro para o centro. Eles subiam estas três ruas, à hora do toque de saída, estacionavam as bicicletas no muro da casa amarela e encostavam-se ao muro, ao lado das suas magníficas bicicletas. Ficavam a olhar para nós, do outro lado da estrada, enquanto saíamos. E nós a olhar para eles. Nós saíamos com a bata azul, parte obrigatória de um regime de regras que era proibido quebrar até atravessar o portão. E a bata era feia, comprida e uma bata, ou seja, tapava tudo menos a cabeça. Um dia, alguém teve uma ideia: «tragam fita cola». Encontrámo-nos cada uma com o seu rolo de fita cola no jardim antes do portão da saída, cujas sebes eram altas. Rapidamente, cortámos pequenas partes de fita, subimos a bata e prendemos o pano acima do joelho. Foi uma saída gloriosa, pelo menos para nós. Depois era preciso não esquecer retirar a fita cola antes de entrar em casa. Aquilo foi acontecendo assim, semanas após semanas, até se desenhar mais um corredor de possibilidades.
O verão estava a chegar e, apesar das batas subirem todos os dias mais um bocadinho, e das roupas por baixo serem cada vez mais extravagantes, ainda ninguém conhecia os rapazes. Lá dentro, durante o dia, as estratégias que elaborávamos eram verdadeiramente kafkianas e por isso nenhuma com aplicação prática. Um dia, não sei o que me deu, já no portão de saída, pensei «E se eu atravessar a estrada?». Foi como se um raio me tivesse caído em cima e digo-o assim porque me lembro perfeitamente da luz desse fim de tarde, com a parede branca do Colégio e a da casa amarela a refletirem sobre a estrada e brilhos como estrelas através da copa das árvores. Assim como o pensei, o fiz. As meninas pararam, os meninos puseram-se em sentido e a meio da passadeira eu já pensava «Meu deus, o que é que eu vou dizer». Aproximei-me de um deles (o que tinha a bicicleta mais fixe, toda preta). Ele, o Jorge, e outro rapaz ao seu lado, o Luís, acompanharam-me a casa, éramos vizinhos. No dia a seguir fomos os três andar de bicicleta.