Tenho uma sensação incómoda quando acontece — o que evito — publicar no blogue demasiadas imagens. Construí este pequeno ermo sem raias para me proteger das imagens, para me refugiar e me esconder dos ícones, das efígies, das paisagens, dos símbolos, dos desenhos, das figuras, dos traços, das ilustrações. Do temperamento da cor, onde se inclui o preto e o branco, da profundidade de campo, das formas visíveis da representação. O que se tornou tão ofensivo nas imagens, tão aborrecido? E o que protege ainda a literatura? Cada vez mais vejo a literatura não como algo que se cria de maneira abstrata, mas como algo onde entramos e não pára de se transformar, um espaço onde, quanto mais se entra, mais pormenores nos revela da sua permanente metamorfose e mais aumenta, mais se abre. Um ser vivo que se dá na medida do que lhe dermos. E que exige o corpo em troca.
3 de março de 2024
29 de fevereiro de 2024
"É o desconhecido de nós mesmos, da nossa cabeça, do nosso corpo. Não é sequer uma reflexão, escrever é uma espécie de faculdade que temos ao lado da nossa pessoa, paralelamente a ela, de uma outra pessoa que aparece e que avança, invisível, dotada de pensamento, de cólera, e que, por vezes, pelos seus próprios factos, está em perigo de perder a vida."
Marguerite Duras, Escrever (1993, três anos antes da sua morte).
20 de fevereiro de 2024
12 de fevereiro de 2024
Escrevi vinte e oito páginas de uma carta. Parei a meio de uma frase, alarmada, como se a estranheza de ver de soslaio o número a um canto me tivesse despertado de uma alucinação. Tive a sensação de estar cega e voltar a ver, de ser puxada de um lugar insondável para a superfície, de ter esquecido a existência e de regressar a ela porque alguém estalou os dedos. Tenho o que se parece com um corpo, estou aqui, mas não foi este corpo que escreveu, escrevi como um animal mata, sem hesitação. Nem sequer compreendo como foi possível escrever tanto tão rapidamente, costumo demorar dias a preencher duas ou três páginas. Tenho a sensação assustadora de estar diante de uma massa impenetrável expelida num vómito e a certeza com que comecei, de haver um destinatário, desfaz-se como o desejo dissoluto depois do orgasmo: um repúdio cínico nega que alguma vez tenha existido.
11 de fevereiro de 2024
25 de janeiro de 2024
18 de janeiro de 2024
14 de janeiro de 2024
11 de janeiro de 2024
Plano de escrita de Ursula K. Le Guin:
5:30 - acordar e ficar deitada e pensar.
6:15 - levantar e tomar pequeno-almoço (muito).
7:15 - começar a trabalhar, escrever, escrever, escrever.
Meio-dia—almoçar.
13:00-15:00 - ler, música.
15:00-17:00 - cartas, talvez arrumar a casa.
17:00-20:00 - fazer jantar e jantar.
Depois das 20:00 - tenho tendência a ficar muito estúpida e não vamos falar disso.
8 de janeiro de 2024
Hoje no metro tresandava a fogo. Nos corredores o fumo era tanto que picava os olhos. Mas não se ouvia nenhum alarme. Do outro lado da linha, ninguém se movia. Coloquei um lenço sobre a boca e o nariz e sentei-me à espera do próximo. Havia um comboio parado na linha oposta. As pessoas levavam as mãos à cabeça, entravam e saíam rapidamente das carruagens e sorriam ao falar umas com as outras, esse sorriso torpe que acompanha as tragédias que não se abateram sobre nós próprios. Dois seguranças estavam parados numa das extremidades do túnel. Olhavam ora um para o outro, ora para a carruagem parada, e não diziam palavra. Equipados com coletes refletores, outros dois seguranças chegaram a correr, do outro lado do túnel. Ficaram a conversar calmamente sem se dirigir nem aos passageiros nem às carruagens. Os passos das pessoas que desciam os degraus para entrar na linha, tornavam-se progressivamente mais lentos; as pessoas hesitavam. Algumas entravam no túnel, outras, mais raramente, voltavam a subir os degraus depois de lançar um olhar em volta e desapareciam. Na plataforma, os homens punham as mãos nas ancas e arqueavam as costas. As mulheres sentavam-se e olhavam em volta como passarinhos. Esperei que algo acontecesse. Deveria ir-me embora? Não queria ir-me embora. Não queria mexer-me. Fiquei muito tempo sentada. Tinha um sentimento estranho ao que via, de tranquilidade. Na verdade, todos tinham, os seguranças, os passageiros que permaneceram sentados dentro da carruagem do comboio parado na linha oposta, os passageiros que aguardavam o próximo comboio do meu lado da linha e os que aguardavam na outra plataforma que a situação se resolvesse. Cheira a fogo, vê-se fumo, e é tudo. Não se sabe onde arde, não se sabe se temos de fugir, não deflagra.
1 de janeiro de 2024
"E voltou para junto da raposa:
— Adeus, disse...
— Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se pode ver com o coração. O essencial é invisível aos olhos.
— O essencial é invisível aos olhos, repetiu o principezinho de modo a poder recordar-se.
— É o tempo que perdeste com a tua rosa que torna a tua rosa tão importante.
— É o tempo que eu perdi com a minha rosa... disse o principezinho para se recordar.
Os homens esqueceram esta verdade, disse a raposa. Mas tu não deves esquecer-te. Tornaste-te para sempre responsável por aquilo que cativaste. Tu és responsável pela tua rosa... repetiu o principezinho, para se recordar."
Antoine de Saint-Exupéry
22 de dezembro de 2023
16 de dezembro de 2023
“Discordo de tudo isto. Chegaria ao ponto de dizer que a forma natural, apropriada e adequada do romance, pode ser a de um saco, de uma cesta. Um livro carrega palavras. As palavras guardam coisas. Transportam significados. Um romance é um frasco medicinal, que mantém as coisas numa relação particular e poderosa entre si e connosco. Uma das relações entre elementos de um romance pode muito bem ser o conflito, mas a redução da narrativa ao conflito é absurda.”
Ursula K. Le Guin, A ficção como cesta: uma teoria.
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