12 de fevereiro de 2024

Escrevi vinte e oito páginas de uma carta. Parei a meio de uma frase, alarmada, como se a estranheza de ver de soslaio o número a um canto me tivesse despertado de uma alucinação. Tive a sensação de estar cega e voltar a ver, de ser puxada de um lugar insondável para a superfície, de ter esquecido a existência e de regressar a ela porque alguém estalou os dedos. Tenho o que se parece com um corpo, estou aqui, mas não foi este corpo que escreveu, escrevi como um animal mata, sem hesitação. Nem sequer compreendo como foi possível escrever tanto tão rapidamente, costumo demorar dias a preencher duas ou três páginas. Tenho a sensação assustadora de estar diante de uma massa impenetrável expelida num vómito e a certeza com que comecei, de haver um destinatário, desfaz-se como o desejo dissoluto depois do orgasmo: um repúdio cínico nega que alguma vez tenha existido.

11 de fevereiro de 2024

25 de janeiro de 2024

Escrevi em 2021 o que poderia dizer sobre o Folhas Caídas.











Kuolleet lehdet [Folhas Caídas], Aki Kaurismäki (2023).

18 de janeiro de 2024

Na tua ausência
converso 
contigo
na tua presença
converso comigo. 

Abbas Kiarostami  
(vamos disse ele
não tão longe disse ela
o que é longe para ti disse ele
exatamente aqui disse ela)

e. e. cummings

14 de janeiro de 2024

Bebo à minha casa em chamas,
À minha vida desesperada
E à solidão de dois.

Anna Akhmatova

11 de janeiro de 2024

Plano de escrita de Ursula K. Le Guin:

5:30 - acordar e ficar deitada e pensar.
6:15 - levantar e tomar pequeno-almoço (muito).
7:15 - começar a trabalhar, escrever, escrever, escrever.
Meio-dia—almoçar.
13:00-15:00 - ler, música.
15:00-17:00 - cartas, talvez arrumar a casa.
17:00-20:00 - fazer jantar e jantar.
Depois das 20:00 - tenho tendência a ficar muito estúpida e não vamos falar disso. 

8 de janeiro de 2024

Hoje no metro tresandava a fogo. Nos corredores o fumo era tanto que picava os olhos. Mas não se ouvia nenhum alarme. Do outro lado da linha, ninguém se movia. Coloquei um lenço sobre a boca e o nariz e sentei-me à espera do próximo. Havia um comboio parado na linha oposta. As pessoas levavam as mãos à cabeça, entravam e saíam rapidamente das carruagens e sorriam ao falar umas com as outras, esse sorriso torpe que acompanha as tragédias que não se abateram sobre nós próprios. Dois seguranças estavam parados numa das extremidades do túnel. Olhavam ora um para o outro, ora para a carruagem parada, e não diziam palavra. Equipados com coletes refletores, outros dois seguranças chegaram a correr, do outro lado do túnel. Ficaram a conversar calmamente sem se dirigir nem aos passageiros nem às carruagens. Os passos das pessoas que desciam os degraus para entrar na linha, tornavam-se progressivamente mais lentos; as pessoas hesitavam. Algumas entravam no túnel, outras, mais raramente, voltavam a subir os degraus depois de lançar um olhar em volta e desapareciam. Na plataforma, os homens punham as mãos nas ancas e arqueavam as costas. As mulheres sentavam-se e olhavam em volta como passarinhos. Esperei que algo acontecesse. Deveria ir-me embora? Não queria ir-me embora. Não queria mexer-me. Fiquei muito tempo sentada. Tinha um sentimento estranho ao que via, de tranquilidade. Na verdade, todos tinham, os seguranças, os passageiros que permaneceram sentados dentro da carruagem do comboio parado na linha oposta, os passageiros que aguardavam o próximo comboio do meu lado da linha e os que aguardavam na outra plataforma que a situação se resolvesse. Cheira a fogo, vê-se fumo, e é tudo. Não se sabe onde arde, não se sabe se temos de fugir, não deflagra.  

1 de janeiro de 2024

"E voltou para junto da raposa:
— Adeus, disse...
— Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se pode ver com o coração. O essencial é invisível aos olhos.
— O essencial é invisível aos olhos, repetiu o principezinho de modo a poder recordar-se.
— É o tempo que perdeste com a tua rosa que torna a tua rosa tão importante.
— É o tempo que eu perdi com a minha rosa... disse o principezinho para se recordar.
Os homens esqueceram esta verdade, disse a raposa. Mas tu não deves esquecer-te. Tornaste-te para sempre responsável por aquilo que cativaste. Tu és responsável pela tua rosa... repetiu o principezinho, para se recordar."

Antoine de Saint-Exupéry

22 de dezembro de 2023

“A memorable story follows a predictable pattern, unpredictably.”

16 de dezembro de 2023

“Discordo de tudo isto. Chegaria ao ponto de dizer que a forma natural, apropriada e adequada do romance, pode ser a de um saco, de uma cesta. Um livro carrega palavras. As palavras guardam coisas. Transportam significados. Um romance é um frasco medicinal, que mantém as coisas numa relação particular e poderosa entre si e connosco. Uma das relações entre elementos de um romance pode muito bem ser o conflito, mas a redução da narrativa ao conflito é absurda.”

Ursula K. Le Guin, A ficção como cesta: uma teoria


Notas das revisões finais de Elena Ferrante para a História
 da Menina Perdida.
As Mrs. Dalloway walks, she does not merely perceive the city around her. Rather, she dips in and out of her past, remolding London into a highly textured mental landscape, “making it up, building it round one, tumbling it, creating it every moment afresh.”

(...).

Woolf relished the creative energy of London’s streets, describing it in her diary as “being on the highest crest of the biggest wave, right in the centre & swim of things.

12 de dezembro de 2023

“E a visão longínqua do centro que mal se vê, e a visão que as clareiras do bosque oferecem, parecem prometer, mais que uma visão nova, um meio de visibilidade onde a imagem seja real e o pensamento e o sentir se identifiquem sem ser à custa de se perderem um no outro, ou de se anularem.”

María Zambrano, Clareiras do Bosque

11 de dezembro de 2023

Nicola Lagioia: uno degli aspetti più potenti de L'amica geniale riguarda il modo in cui viene resa l'interdipendenza tra i personaggi. È evidente nel rapporto tra Lila e Elena, nel modo in cui ognuna riesce a depositare nell'altra la propria forma, la quale (proprio come una forma di vita autonoma) continua ad agire al di là della presenza fisica che l'ha generata. Ogni volta che Lila svanisce dall'orizzonte degli eventi di Elena, continua comunque ad agire nell'amica e, si presume, accade anche il contrario.

Leggere il suo romanzo è confortante, perché nella vita vera succede così. Le persone per noi davvero importanti (le persone a cui abbiamo dato l'opportunità di scassinarci interiormente) non cessano di interrogarci, ossessionarci, perseguitarci, all'occorrenza guidarci. Anche se nel frattempo sono morte, o lontane, o se ci abbiamo litigato. Il che — mi sembra — altera addirittura la costruzione dei ricordi. Il modo in cui rileggiamo il romanzo della nostra vita dipende anche da come agiscono silenziosamente in noi (modificandone gli snodi) le persone fondamentali. Per come riesce a rendere questi meccanismi, L'amica geniale mi sembra un romanzo di una modernità assoluta.

Però nei suoi quattro libri questa interdipendenza si estende a tutto il mondo delle due amiche. Nino, Rino, Stefano Carracci, i fratelli Solara, Carmela, Enzo Scanno, Gigliola, Marisa, Pasquale, Antonio, persino la Galiani... Nonostante per loro le regole dell'attrazione reciproca non siano intense come quelle che legano Elena e Lila, rimangono tutti comunque sempre in orbita. Sbarazzarsene è impossibile. Ricompaiono di continuo gli uni davanti agli altri. Certo litigano. Si tradiscono. In certi casi finiscono quasi per ammazzarsi. Si dicono o si fanno cose che in altri contesti sarebbero sufficienti a troncare i rapporti per sempre. Eppure, questo non succede quasi mai. C'è sempre uno spiraglio che rimane aperto (penso ad esempio a Marcello Solara che continua a essere cordiale con Elena anche dopo i suoi attacchi su L'Espresso). Sembra che solo la morte — o l'estrema vecchiaia — possa spezzare i loro legami.

Tenendo conto di cosa sono fatti quei legami, potrebbe sembrare una maledizione. Eppure non è da considerare anche una benedizione? L'alternativa rischia di essere la solitudine assoluta. In certi casi confesso che li ho invidiati.

Elena Ferrante: da dove comincio? Dall'infanzia, dall'adolescenza. Certi ambienti napoletani poveri erano affollati, sì, e chiassosi. Raccogliersi in sè, come si dice, era materialmente impossibile. Si imparava prestissimo ad avere la massima concentrazione nel massimo disturbo. L'idea che ogni io è, in gran parte, fatto di altri e dall'altro non era una conquista teorica, ma una realtà. Essere vivi significava urtare di continuo contro l'esistenza altrui ed esserne urtati, con esiti ora bonari, l'attimo dopo aggressivi, quindi di nuovo bonari.

Nei litigi si tiravano in ballo i morti, non ci si accontentava di aggredire e insultare i vivi: si finiva per degradare con naturalezza anche zie, cuginette, nonni e bisnonni che non erano più al mondo. E poi c'era il dialetto e c'era l'italiano. Le due lingue rimandavano a comunità diverse, entrambe gremite. Ciò che era comune all'una non era comune all'altra. I legami che stabilivi nelle due lingue non avevano mai la stessa sostanza. Variavano gli usi, le regole di comportamento, le tradizioni. E quando cercavi una via di mezzo ti veniva un dialetto finto che era contemporaneamente un italiano triviale.

Tutto questo mi (ci) costituisce, ma tuttora senza un ordine e una gerarchia. Niente è tramontato, tutto è qui nel presente. Certo, oggi ho luoghi piccoli e tranquilli dove mi posso raccogliere in me, ma questa espressione la sento tuttora un po' ridicola. Ho raccontato di donne in momenti in cui sono assolutamente sole. Ma nelle loro teste non c'è mai silenzio e nemmeno raccoglimento.

La solitudine più assoluta, almeno nella mia esperienza, e non solo narrativa, è sempre, come nel titolo di un libro molto bello, troppo rumorosa. Per chi scrive non c'è persona rilevante che si rassegni a tacere definitivamente, anche se abbiamo interrotto ogni rapporto da tempo per rabbia, per caso o perché il suo tempo era finito. Io nemmeno riesco a pensarmi senza gli altri, men che meno a scrivere. E non parlo solo di parenti, di amiche, di nemici. Parlo delle altre, degli altri, che oggi, adesso, figurano soltanto nelle immagini: nelle immagini televisive o dei rotocalchi, a volte strazianti, a volte offensive per opulenza. E parlo di passato, di ciò che in senso lato chiamiamo tradizione, parlo di tutti gli altri che sono stati al mondo prima e hanno agito e agiscono oggi attraverso di noi.

L'intero nostro corpo, volente o nolente, realizza una folgorante resurrezione dei morti proprio mentre avanziamo verso la nostra stessa morte. Siamo, come dice lei, interconnessi. E dovremmo educarci a guardare a fondo in questa interconnessione - io la chiamo garbuglio, o meglio frantumaglia - per darci strumenti adeguati e raccontarla. Nella più assoluta tranquillità o coinvolti in eventi tumultuosi, al sicuro o in pericolo, innocenti o corrotti, noi siamo la ressa degli altri. E questa ressa per la letteratura è sicuramente una benedizione.

Ma quando andiamo alla materialità dei giorni, alla fatica quotidiana di vivere, stento a fare il gioco del rovesciamento di senso: maledizione/benedizione, benedizione/maledizione. Mi sento bugiarda se considero l'eredità del rione un fatto positivo. Capisco che le maglie molto strette e resistenti del mondo che ho raccontato possano dare l'idea di un antidoto. Ci sono molti momenti, nell'Amica geniale, dove l'ambiente in cui Lila ed Elena sono immerse appare, malgrado tutto, bonario e accogliente.

Ma non bisogna perdere d'occhio quel 'malgrado tutto'. I legami col rione limitano, fanno male, corrompono o dispongono alla corruzione. E il fatto che non si riesca a reciderli, che si ripropongano oltre ogni loro apparente dissolversi, non è un bene. L'insorgenza improvvisa delle cattive maniere dall'interno di quelle buone, salvo poi tornare al sorriso, a me sembra tuttora il sintomo di una comunità inaffidabile tenuta insieme da complicità opportunistiche, e perciò attenta a dosare furie e ipocrisie per non finire in una guerra aperta che comporterebbe scelte definitive: tu stai di qua, io di là.

No, quindi, ciò che compatta la piccola folla del rione è, nei fatti, inevitabilmente guasto e, ai miei occhi, una maledizione. Naturalmente, però, quella folla è fatta di persone e le persone hanno sempre, tra mille contraddizioni, una loro preziosissima umanità cui un racconto deve badare, se non vuole fallire. Tanto più che la gente si passa ciò che ha di buono e ciò che ha di cattivo quasi senza accorgersene. Il rione è immaginato così e anche Lila ed Elena sono fatte della sua materia, ma come se essa fosse allo stato fluido e trascinasse con sé di tutto. Volevo che, contro la fissità chiusa dell'ambiente, loro fossero mobili, che niente riuscisse a stabilizzarle davvero e che soprattutto esse stesse si attraversassero reciprocamente come se fossero d'aria. Ma senza mai liberarsi della forza d'attrazione del luogo di nascita. Anche loro dovevano sentirla, loro specialmente, malgrado tutto.

Ecco, è forse proprio quel 'malgrado tuttò che è tecnicamente difficile da raccontare. Bisogna badare a quel 'tutto', non dimenticarselo, riconoscerlo sotto ogni suo travestimento, anche se i legami affettivi, le consuetudini acquisite con l'infanzia, gli odori, i sapori, i suoni carichi di dialetto ci seducono, ci inteneriscono, ci fanno oscillare, ci rendono eticamente instabili. Forse ottenere sulla pagina la qualità cangiante delle esistenze significa sottrarsi ai racconti troppo rigidamente definiti. Siamo tutti soggetti a una continua modificazione che però, per evitare l'angoscia dell'impermanenza, camuffiamo fino alla vecchiaia con mille effetti di stabilizzazione, il più importante dei quali promana proprio dalle narrazioni, specie quando ci dicono: è andata così.

Questo tipo di libri non li amo particolarmente, preferisco quelli in cui nemmeno chi racconta sa bene come è andata. Narrare per me ha sempre significato depotenziare le tecniche che danno i fatti come incontrovertibili pietre miliari e potenziare quelle che mettono in scena l'instabilità. Il lungo racconto di Elena Greco è tutto improntato all'instabilità, forse ancora più che i racconti di Delia, di Olga, di Leda, le protagoniste dei miei libri precedenti. Ciò che Greco allinea sulla pagina, in principio con apparente sicurezza, diventa sempre meno governato. Cosa sente davvero, questa narratrice, cosa pensa, cosa fa? E cosa fa e pensa Lila, e chiunque altro irrompa nel suo racconto? Tutto, nell'Amica geniale, volevo che si formasse e si sformasse.

Nello sforzo di raccontare Lila, la sua amica si vede costretta a raccontare tutti gli altri e se stessa tra loro, incontri e scontri che lasciano le tracce più diverse. Gli altrinell'accezione più ampia, come dicevo, ci urtano di continuo e noi facciamo lo stesso con loro. La nostra singolarità, la nostra unicità, la nostra identità si crepano senza sosta. Quando alla fine di una giornata esclamiamo: mi sento a pezzi, non c'è niente di più letteralmente vero.

A guardar bene, siamo le spinte destabilizzanti che subiamo o che diamo, e la storia di quelle spinte è la nostra vera storia. Raccontarla significa raccontare compenetrazioni, un subbuglio, anche, tecnicamente, una commistione incongrua di registri espressivi, di codici e di generi. Siamo frammenti eterogenei che, grazie a effetti di compattezza - le figure eleganti, la bella forma - stanno insieme malgrado la loro casualità e contraddittorietà. La colla più a buon mercato è lo stereotipo. Gli stereotipi ci acquietano. Ma il problema è, come dice Lila, che anche solo per pochi secondi si smarginano sospingendoci nel panico. Nell'Amica geniale, almeno nelle intenzioni, c'è un dosaggio meticoloso tra stereotipia e smarginatura.