Na altura em que as meninas começam a perceber que não há príncipes encantados, uma amiga havia iniciado um namoro que parecia ter estagnado no arranque. A minha amiga sonhava com juntar as escovas de dentes. Já ele não se percebia muito bem. Portanto, afinal não era simples. As conversas sucediam-se há meses. Não eram exatamente discussões, ou eram, mas eram discussões filosóficas. Sobre a relação, sobre o amor, sobre sexo, sobre vontades, sobre o presente e sobre o futuro, e por aí vai. Todos os dias a minha amiga me contava sobre a última conversa. Apesar de por vezes haver uma lágrima ou outra, eu achava que havia qualquer coisa de competitivo entre eles que os fazia preferir a argumentação à resolução. E perguntava-me, se tudo era um problema, o que havia de bom para levar para uma casa? Mas a minha amiga dizia-me que gostava dele, e eu queria ajudá-la a encontrar alívio para o desespero. Um dia, tinha ido dormir a casa dela, estávamos a fazer um balanço das últimas conversas. Quando digo «estávamos» refiro-me a estar a ouvir a minha amiga pensar. Jantámos, fumámos, fumámos outra vez, e mais tarde, quando fomos para a cama, ela chegava mais uma vez às conclusões de sempre, que eram uma espécie de beco sem saída. Nesse dia, quando puxámos as mantas, disse-lhe uma coisa. Disse-lhe que no próximo encontro ela esperasse pela conversa, que era sempre ele que puxava. Disse-lhe que o deixasse falar o tempo que ele quisesse sem nunca o interromper, por muito que isso lhe custasse. Disse-lhe que se mantivesse serena, sem qualquer expressão de rosto que ele pudesse considerar provocação e, sobretudo, sem reagir ao que ele tivesse para dizer. Disse-lhe que quando ele acabasse de falar lhe dissesse esta frase, voltasse as costas e viesse embora.
— O Dumbo voa com as orelhas.