hoje, abri uma janela de chat com um amigo e disse-lhe: "tenho vontade de viver". mas que difícil organizar a vontade de fazer tantas coisas e ter de trabalhar para outrem. partir, partir, sempre partir para ver mais mundo, estar mais com os outros, rir mais alto, aprender mais um passo de dança e gastá-lo até cair. não sabemos nada da vida e de nós próprios também hesito em afirmar que possamos saber alguma coisa. vamos de um lado ao outro da alegria e damos com a tristeza, de um lado ao outro da tristeza e damos com a alegria. temos íntimos exóticos devorados pelo silêncio da incerteza e da certeza e avançamos, mas não vamos a lado nenhum. estar aqui é absoluto, temos uma voz, um corpo, e as coisas respondem-nos cheias de bondade, oferecem-nos a qualidade do perigo, do inesperado, onde, como diz o poeta, me tornei hábil a cair verticalmente.
1 de fevereiro de 2021
19 de janeiro de 2021
6 de janeiro de 2021
8 de outubro de 2020
O Poder de Circe
Nunca transformei ninguém em porco.
Algumas pessoas são porcos; faço-os
parecerem-se a porcos.
Estou farta do vosso mundo
que permite que o exterior disfarce o interior.
Os teus homens não eram maus;
uma vida indisciplinada
fez-lhes isso. Como porcos,
sob o meu cuidado
e das minhas ajudantes,
tornaram-se mais dóceis.
Depois reverti o encanto,
mostrando-te a minha boa vontade
e o meu poder. Eu vi
que poderíamos ser aqui felizes,
como o são os homens e as mulheres
de exigências simples. Ao mesmo tempo,
previ a tua partida,
os teus homens, com a minha ajuda, sujeitando
o mar ruidoso e sobressaltado. Pensas
que algumas lágrimas me perturbam? Meu amigo,
toda a feiticeira tem
um coração pragmático; ninguém
vê o essencial que não possa
enfrentar os limites. Se apenas te quisesse ter
podia ter-te aprisionado.
Louise Glück
1 de outubro de 2020
partout son empreinte. Elle se mesure avec la matière qu’elle métamorphose, avec la forme qu’elle transfigure. Éducatrice de l’homme, elle le multiplie dans l’espace et dans le temps."
Henri Focillon, La vie des formes.
17 de setembro de 2020
20 de agosto de 2020
There is, Kafka says, ‘plenty of hope, an infinite amount of hope–but not for us.’ There is hope always only for another– and for ‘us’ only when there is, so to speak, no ‘us,’ when ‘we’ stop being ‘ourselves’ and begin to be another. ‘Plenty of hope,’ therefore, ‘but not for us.’
Werner Hamacher, The Gesture in the Name.
30 de junho de 2020
26 de junho de 2020
25 de junho de 2020
A partir daqui isto não tem nada a ver contigo.
Sento-me no degrau de uma porta
À espera de alguém,
Mas não espero nada.
Tenho uma reunião daqui a pouco,
Mas não irei.
A minha irmã espera um telefonema meu,
Mas somos estranhas.
A solidão que se apresenta
É imprecisa, extraordinária,
Distribui-se pelo corpo como um formigueiro
E sela o silêncio com o silêncio.
A partir daqui deixas de ter nome
E tudo o que conheço de ti passa a ser incriado,
perfeito e sólido,
sem fim.
24 de junho de 2020
2 de junho de 2020
30 de maio de 2020
ao mesmo tempo.
ela abre o seu próprio limiar
com uma linguagem tátil,
com que atinge os outros
à distância
— esses corpos puros
abertos ao fora
como animais selvagens —
num tempo silencioso
que habita a banalidade
do mundo,
esse tempo fascinante
que atrai a sinceridade da vida
e cai cativo dela.
26 de maio de 2020
25 de maio de 2020
ela era uma jovem mulher de tez muito branca e cabelos ruivos caídos como uma cascata pela beira da cama, de onde pendia também um braço onde não restava espaço para mais uma cicatriz. tinha-se ferido tantas vezes que era impossível distinguir a pele dos cortes. dormia serenamente, embora quase a cair da cama e de luz acesa. imprudente, sentei-me na cama ao lado a observar a sua respiração lenta e grave, a extrema alvura da sua pele como um rio de leite ao lado de um céu de fogo. sentada à beira da cama, fui incapaz de pegar no livro e deixei-me ficar em adoração, como se fosse uma santa.