3 de julho de 2016
isto passou-se no final de março, a primavera mostrava-se sem cuidado e por toda a parte, e eles, dóceis e ansiosos, submetiam-se a ela. vindo da sala, onde tinha estado quase toda a manhã a falar com a dona Elisa Berta, Horácio desce a escada e tropeça já no último degrau, rindo depois para disfarçar o susto. saíram os três, atravessaram a feira e o parque rapidamente, caminhando sempre em frente através das barracas de queijo e presunto, dos ramos de alfazema enrolados em papel manteiga, das tílias, dos plátanos e dos castanheiros, e entraram na igreja. isto não levou mais do que quinze, vinte minutos. Maria e Horácio sentaram-se na segunda fila atrás, mergulhada na escuridão, o que surpreendeu Catarina, que pretendia sentar-se com eles logo à frente. hesitou e a hesitação chegou para expor o segredo em plena luz do dia. Catarina em pé, sem decidir se se juntava a eles na segunda fila, ou se os deixava a sós e prosseguia caminho em direção ao altar como havia pensado, Maria corada a apertar as luvas entre as mãos e Horácio incapaz de esconder a felicidade que antecipava um momento a sós com Maria, ou seja, sem Catarina. com plena consciência no papel que desempenhava nos acontecimentos,
Maria estava vestida de negro, mas tinha pintado os olhos e os lábios. nenhum deles pronunciou palavra.
com a mesma naturalidade, uma alegria alucinante, muito próxima do sonho, regressou e fixou-se ameaçadoramente. tudo estava deserto. a matéria acumulada em enorme espessura difundiu-se como sujidade e esvaziou-se. a realidade prosseguia por sua própria conta e risco, como uma contradição ou um animal inocente. mas o seu coração, transbordante, através de todas as metamorfoses mostrava agora a sua repugnância. na verdade, sempre lá tinha estado.
2 de julho de 2016
30 de junho de 2016
27 de junho de 2016
um casal de turistas de banho tomado e perfumados, ela com bijuteria cara e maquilhada, ele de fato azul, gravata e lenço, ambos loiros, passa ao lado de dois caixotes de lixo cheios rodeados de um monte de sacos de lixo empilhados num bairro lisboeta. a acreditar na sorte e ao que parece, não os viram. sobem a colina sorrindo um ao outro, alheados da cidade onde passeiam, de visita. passando ao seu lado, desvio o olhar, e é isso o que de mais fecundo e decisivo tenho, precisamente agora.
é certamente admirável. previ o fracasso desde sempre, mas não me atrevi a perguntar pela estranheza que ocorre como um gemido fruto de uma epidemia. sou culpada. tenho uma língua.
é certamente admirável. previ o fracasso desde sempre, mas não me atrevi a perguntar pela estranheza que ocorre como um gemido fruto de uma epidemia. sou culpada. tenho uma língua.
24 de junho de 2016
mal o disse, bateu nas coxas, no entanto com uma eficácia duvidosa, resultado de uma dieta de emagrecimento. face a face, lúcidos como um diabo, observavam a mutação daquilo que não sabiam e nenhuma explicação parecia suficiente. eram agora reféns do momento. qualquer palavra teria sido alvo de cinismo e, por isso, o silêncio prevaleceu, ainda que nele houvesse um efeito surpresa: viram-se envelhecer com uma indecência indigna, de repente.
23 de junho de 2016
22 de junho de 2016
fico imóvel, como um animal alegre, à entrada do frigorífico, porque a matéria adere à matéria, e me vejo na abertura branca, sem mim, não como uma ausência mas sim como um milagre, sem felicidade ou infelicidade, como um dom, ou um delírio, por exemplo, através do qual seria possível escorregar se os olhos não ficassem aterrados com o vácuo.
Subscrever:
Mensagens (Atom)