Começa pelo seguinte: ponha a secretária no canto e, sempre que se sentar para escrever, lembre-se porque motivo ela não está no meio da sala. A vida não é um sistema de suporte da arte. É o contrário.
Stephen King, Escrever.
25 de outubro de 2016
a minha relação com a fotografia começou por ser familiar. ver álbuns era uma coisa que se fazia, tal como ver televisão ou ouvir histórias. depois, quando o meu pai saiu de casa (era ele quem tirava as fotografias), os álbuns começaram a desaparecer. a certa altura, tive interesse em experimentar ser eu própria a fotografar e pedi-lhe uma câmara. era manual, da Nikon. estraguei-a ao tentar fotografar à noite. seja como for, a minha paixão não se desenvolveu. era giro experimentar várias técnicas para tentar chegar àquele ou a outro fim e ser sempre surpreendida pelo resultado (era disso que eu mais gostava), mas nenhum sujeito nem nenhum assunto me capturou. continuava sempre a perguntar-me «o que é que queres fazer?» e nunca obtive resposta. enfim, a câmara estragou-se, guardei-a algures e já não sei dela. senti falta de fotografar muitas vezes, com aquela máquina em particular, pesada e robusta, que tinha uma lente que me obedecia sem falhar. o que falhava era outra coisa qualquer, eu não sabia o quê, mas estava em mim. até que, já andava eu na faculdade, descobri a Francesca Woodman. foi um choque. não sei quanto tempo passei entre as fotografias dela, mas comecei a estudá-las, procurando os títulos respetivos e procurando construir a linha cronológica em que tinham sido tiradas. com isso fui dar à linha cronológica da sua própria vida. novo choque. não me entrava na cabeça que pudesse ocorrer a uma pessoa com um talento daquela dimensão um desejo de morte. já não me recordo de quase nada da sua biografia, que um dia soube contar de fio a pavio, à exceção de que ocupava aquelas casas em ruínas — alugava-as, fazia delas a sua própria morada —, e ali vivia enquanto se fotografava. saber isso causou-me uma impressão muito forte porque eu não tinha nada assim. nada tão urgente.
a chegada da internet foi fundamental para o meu contacto com a fotografia. já não era só o Gageiro, do livro que havia lá em casa, mas um mundo infinito de fotógrafos que a preto e branco ou a cores exploravam o instrumento. há, de facto, fotografias muito belas. e há, de facto, fotografias para tudo. contudo, e apenas agora posso dizê-lo, nunca uma fotografia me causou um impacto comparável a estar diante de um Van Gogh, de um Munch, de um Rembrandt, de um Zurbarán, de um Turner, de um Fra Angelico, de um Francis Bacon, por exemplo. mesmo que séculos nos separem, a pintura continua a ter mais camadas e, como se um túnel entre nós se abrisse, o seu silêncio é mais eloquente.
a chegada da internet foi fundamental para o meu contacto com a fotografia. já não era só o Gageiro, do livro que havia lá em casa, mas um mundo infinito de fotógrafos que a preto e branco ou a cores exploravam o instrumento. há, de facto, fotografias muito belas. e há, de facto, fotografias para tudo. contudo, e apenas agora posso dizê-lo, nunca uma fotografia me causou um impacto comparável a estar diante de um Van Gogh, de um Munch, de um Rembrandt, de um Zurbarán, de um Turner, de um Fra Angelico, de um Francis Bacon, por exemplo. mesmo que séculos nos separem, a pintura continua a ter mais camadas e, como se um túnel entre nós se abrisse, o seu silêncio é mais eloquente.
15 de outubro de 2016
para onde desapareceu a minha alegria? resplandecente, surgia sem mancha e contagiava todo o o universo. agora a ansiedade e o medo substituem-na, o pragmatismo da existência contaminou-me e a alegria surge como uma ameaça, cheia de sinais de alarme. gostaria de nascer outra vez, diz a mulher finalmente a envelhecer. tudo ficou cheio de palavras: que fiz eu?
8 de outubro de 2016
estou apaixonada por gestos comuns, que se realizam desde o princípio do mundo, ainda que o princípio do mundo não exista. uma vasta maioria não tem concretização mas não são, por isso, menos determinados. pelo contrário, são precisamente esses gestos, perdidos no mar da existência, que justificam a nossa biografia.
7 de outubro de 2016
5 de outubro de 2016
4 de outubro de 2016
1 de outubro de 2016
O homem comum da Idade Média, pelo contrário, nos seus trabalhos não se regia pelo relógio, mas pelo Sol: no Verão trabalhava mais, no Inverno, menos; e trabalhava em conformidade com o trabalho que havia a fazer: durante as colheitas, trabalhava mais, quando nada havia a fazer, preferia não fazer nada, e um terço do ano era de qualquer forma absorvido por feriados eclesiásticos e outros.
Dietrich Schwanitz, Cultura.
Dietrich Schwanitz, Cultura.
contudo, o que importa a felicidade? não passa de uma constância e a vida não é feita de constância. a vida é um mergulho num movimento sempre novo que, tal como acontece na natureza, não distingue entre a dor e o prazer. o luto renova-se a cada instante pelo instante que já passou e o que começa lança-nos sem porquê na alegria de simplesmente estar vivo.
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