6 de abril de 2025

Está online o texto Ela desnomeia, que escrevi, a convite da Buala, a partir do conto She Unnames Them, de Ursula K. Le Guin:

Num ensaio de 1985, intitulado She Unnames Them [Ela desnomeia-os], Ursula K. Le Guin imagina uma contra-história do início da humanidade através da história de Adão e Eva. Todos conhecemos essa história. Ela é-nos contada como uma metáfora para a vida na Terra, onde o esforço se substituiu à abundância do Paraíso, o sofrimento às delícias e a morte à eternidade, uma vez que, por culpa de Eva — a palavra culpa é indeclinável no Antigo Testamento —, fomos banidos da morada divina. No livro do Génesis, logo depois de ter criado o jardim do Éden e dado instruções a Adão para não comer os frutos da árvore do conhecimento do bem e do mal, Deus mostra a Adão «todas as feras e todas as aves do céu» com o intuito de encontrar para ele uma companhia, para que não ficasse sozinho. Até aqui, no relato da Bíblia, era apenas Deus que tinha o poder de nomear. É através da palavra, do nome, que toda a Criação nasce, incluindo Adão e Eva. Todavia, neste momento, Deus decide que todas as criaturas se conhecerão através do nome que Adão, feito à Sua imagem e semelhança, tiver escolhido para elas e, à medida que vai conhecendo os animais, Adão atribui-lhes um nome. Por isso, quando, logo a seguir, Eva é criada, também recebe o nome que Adão lhe dá. Ora, em She Unnames Them, Eva remove a todas as criaturas, como a si mesma, os nomes que Adão lhes havia atribuído. Uma vez anulada a barreira dos nomes, Eva descobre que ela e as criaturas estão agora mais próximas, tão próximas que o medo e a atração entre elas se tornam um só: «the hunter could not be told from the hunted, nor the eater from the food.»

Ursula K. Le Guin lê She Unnames Them aqui. O conto, originalmente publicado na revista The New Yorker, a 21 de janeiro de 1985, pode ser lido e descarregado aqui.



2 de abril de 2025

Quando alguém desabafa
sobre os seus problemas 
a gente escuta
Quando alguém narra
histórias por que passou
a gente ouve
Quando alguém se propõe 
discutir soluções novas
para problemas antigos
a gente participa 
Quando alguém tagarela
e opina e julga e ajuíza
e se desfaz em considerações 
inócuas sobre o fim do mundo
e a decadência dos povos
a gente enche-se de saudade 
dos melros na berma do rio
e afasta-se em busca de silêncio 

Kazuyoshi Matsubara
[Tradução de Juraan Vink]