26 de janeiro de 2025

vi THE DEAD há muitos anos, mas, na altura, quando o filme acabou, tive a sensação que me escapava o principal. o vazio torna-se mais importante nesses momentos, fala sem que possamos escutar, mostra sem que possamos ver. este fim-de-semana, por causa de THE ROOM NEXT DOOR, voltei a ver o filme, e percebi que quando escrevi que para Almodóvar a bondade era o fundamental, não fui tão longe quanto poderia ter ido. THE ROOM NEXT DOOR pode bem ser um filme feito de citações, um filme homenagem, como em certos momentos parece tornar-se mais evidente. julgo que a bondade — que nele transgride o habitual —, a generosidade entre as personagens, a sua amabilidade constitutiva, é uma citação de Huston e uma bastante nostálgica. a razão para que não tenha podido compreender o filme quando, aos dezassete anos, o vi pela primeira vez, tornou-se clara: não se pode perceber esta história sem ter uma experiência do tempo e da morte.
no primeiro plano, à noite, as janelas de uma casa estão iluminadas por uma luz amarela quente e uma carruagem puxada a cavalos, conduzida por um cocheiro, passa a toda a velocidade de um lado ao outro do ecrã sobre um tapete de neve. o nome de uma cidade e uma data emergem da escuridão: Dublin, 1904. não sei porquê, pensei imediatamente em 1984. em 1984 eu tinha oito anos e adorava blusas com folhos, ténis bota brancos e as bandas desenhadas da Luluzinha, que tinham na capa uma menina de caracóis a boicotar a casota de brincadeiras dos rapazes, onde não a deixavam entrar. a Apple lançou o primeiro computador pessoal nesse ano. a Tina Turner cantava What's Love Got to Do with It e eu achava que entendia tudo e queria ser como ela. entre aquele jantar de tradição anual na casa quente com cheiro a ponche e a cera a arder, onde cada um faz, com dedicação e nervosismo, aquilo que dele é esperado, e as danças se encomendam enquanto a neve continua a cair lá fora, acontece apenas oitenta anos antes de eu pedir para ficar a ver a Noite de Cinema na televisão sozinha. o que aconteceu, perguntei-me, em tão curto período de tempo para que o mundo tenha mudado tanto?
dia 27 de janeiro é o aniversário da libertação de Auschwitz. este ano comemoram-se oitenta anos sobre a data. Shahak Shapira, um jovem judeu a viver em Berlim realizou recentemente um projeto que reunia selfies de turistas que visitavam o local com as respetivas legendas e hashtags, encontradas no Facebook, Instagram, Tinder e Grindr. todas as selfies publicadas no Yolocaust tinham sido tiradas no Memorial do Holocausto, em Berlim, e em vários campos de extermínio nazis. a primeira fotografia que Shapira publicou, mostrava um jovem a saltar sobre as lajes de betão, com a legenda “Jumping on dead Jews @ Holocaust Memorial”. numa semana o site teve mais de dois milhões de visitantes, incluindo os autores das fotografias. o autor desta escreveu a Shapiro dizendo que “The photo was meant for my friends as a joke. I am known to make out of line jokes, stupid jokes, sarcastic jokes.” depois, há cerca de um ano, uma turista foi detida pela polícia por ter feito a saudação nazi enquanto posava para as fotografias do marido junto ao portão do campo de concentração de Auschwitz. na altura com vinte e nove anos, foi acusada de promover o nazismo e multada. deu-se como culpada, mas descreveu o ato como uma brincadeira ingénua