“Era a segunda parte do sonho: o medo de sonhar. Ou de recordar, que é o mesmo.”
Estas frases extraordinárias de César Aira estão na novela A Prova, a segunda que leio dele. Duas coisas se dizem aqui: que na segunda parte dos sonhos, aquela — a única — de que nos lembramos, aquilo com que sonhamos é com o medo de saber que estamos a sonhar. Que é isso, no fundo, que nos acorda de todos os sonhos, bons ou maus: o medo de descobrir que estamos a sonhar. Talvez o ato de sonhar seja, ele próprio, esse pavor de se descobrir sonhando. A outra, que sonhar é o mesmo que recordar, ou seja, que o ato de sonhar é, tal como o ato de recordar, um ato de temor, de reverência e angústia. Porventura (seria preciso perguntar-lhe), aquilo que tememos recordar é também aquilo com que tememos sonhar. O medo de recordar seria, para dizer de modo simples, medo de ver — pois o sonho vê. Muitas vezes vive-se assim: não queremos ver para não recordar. Temos medo de sonhar porque temos medo de, mais tarde, nos lembrarmos que sonhámos. Não há recordação mais violenta.