Jean-Honoré Fragonard, s/d.
11 de julho de 2024
Faz hoje dez anos que desapareceu mais uma árvore no meu bairro. Do jardim do pátio do Palácio do Machadinho, feito pelo Ribeiro Telles, onde funcionou em tempos o departamento cultural da Câmara Municipal de Lisboa e estão a finalizar as obras que o transformará em mais um condomínio de luxo. Era a última árvore da rua do Quelhas no sentido de quem desce. Não sei que árvore era. Tinha o tronco e os ramos cinzentos, quase brancos, pequenas folhas prateadas e uns círculos mais escuros no tronco. Muito alta, alta como um cipreste, ficava no meio de um pátio que nas últimas décadas se destinava a estacionamento. De minha casa, na rua oposta, via-lhe a copa sempre cheia de pássaros. No dia anterior ao corte bloquearam os lugares de estacionamento da rua do Quelhas. Suspeitei, fui perguntar. O segurança revelou o motivo, seria no dia seguinte às 8:00, a árvore ameaçava cair, já não se encontrava ninguém com quem pudesse falar sobre isso. Em casa, enviei mais um email à Junta e à BRIPA a solicitar o envio dos relatórios da avaliação fitossanitária, estabilidade biomecânica e risco de rutura e a evocar os motivos de sempre: as autoridades são obrigadas a justificar as razões invocadas para o abate, o abate tem de ser justificado com relatório fitossanitário e deve ser usada a norma de Granada para fazer a compensação, que não indica que a uma árvore abatida deve corresponder uma árvore plantada, indo muito além disso (Lei 59/2021). Termino sempre a recordar que, em Portugal, o abate de árvores sem motivos válidos é ilegal. No dia seguinte, vi o tronco cortado e foi a última vez que a vi. Um defeito no espaço-tempo fez-me hoje erguer os olhos para a ver quando descia a rua mergulhada nos meus pensamentos. Por um instante, esqueci-me destes dez anos, esqueci-me que ela tinha desaparecido. Fui com a cabeça pesada como chumbo para casa, a pender sobre o alcatrão como se um íman a chamasse. Nos passos que me restaram até chegar, percebi que o corte destas árvores, sem tumulto, sem que rios de dinheiro sejam gastos a salvá-las, sem comoção, é a medida da minha posição política no mundo.