10 de julho de 2022

No terceiro filme que vejo de Mikio Naruse, uma mulher implora a um homem que parte que a leve consigo. Ele fez-lhe promessas que não cumpriu, amou outras mulheres, foi rude, foi indiferente. Recusa levá-la e ela — que já roubou, já pediu e já se deu para sobreviver — suplica-lhe, apenas dois meses, apenas um mês, depois deixo-te em paz para sempre, suplica-lhe uma e outra vez. 
Estou a imaginar esta mulher com os amigos, a família, o vizinho, o psicólogo, todos lhe dizem para o deixar, para o esquecer, para não se humilhar, todos eles, quem sabe certos, convencidos de que ele não é o que ela precisa, sequer o que ela quer, persuadidos de estarem em posse da medida justa, de certos axiomas de vida. 
Ele próprio lhe diz isso.
No plano a seguir o homem e a mulher estão juntos num comboio, adormecida, a cabeça dela pousa no ombro dele, que vigia. Ela conhece um limite que está para lá da competência, da clareza castradora, da moderação do equilíbrio e do controlo, um limite insuportável: sabe o que é necessário. De que é que ela precisa? Água, pão, saúde, ar. Por cada uma dessas coisas, ela sabe em que altura vale a pena suplicar.

Ukigumo [Floating Clouds], Mikio Naruse (1955).