3 de junho de 2018
ao contrário do que nos querem fazer crer, começa-se a envelhecer num dia preciso. nesse dia, e não noutro qualquer, percebemos que a partir dali é sempre a descer. os acontecimentos do corpo acompanham-nos toda a vida e a mente parece esforçar-se por acompanhar e adaptar-se ao que, de súbito, constata que sucedeu. por exemplo, aqui há uns anos, uma conversa com um amigo impressionou-me brutalmente. dizia-me ele que o cheiro dos velhos se tinha instalado no seu corpo, substituindo irrevogavelmente o frescor da juventude. da sua pele, reparei imediatamente, emanava agora um cheiro ácido e metálico, próprio de quem perdera sem remédio o fulgor dos dias que vieram e se foram. embora há muito o meu corpo tenha começado a dar sinais de velhice, só esta semana percebi, como o meu amigo naquele tempo, que comecei a envelhecer, pois a amargura insidiosa de quem olha para trás e vê o vazio, quis encontrar lugar em mim e preencher-me. será que todas as recordações alegres desaparecerão? será que deixarei de encontrar a alegria? que quer de mim essa amargura do não-vivido? terei armas para a combater? não sei se a beleza, o viço e a vivacidade, terão também elas um lugar na velhice numa sociedade que a despreza. temos tão pouco controlo sobre o que vivemos e tão poucas respostas sobre o que é a vida. e porém, mesmo com o seu medo, a sua amargura, o corpo que falha ao levantar, ela renova-se.