17 de maio de 2018

abandono a perfeição num misto de medo e de furor e rapidamente deixo de ter muros à volta. uma promíscua simplicidade envolve-me na habitação do mundo. entro nela sem repulsa e sem recusas, como se entra no deserto. não preciso de uma imagem para o meu próprio nome, sou um impasse sem revelações. onde antes a alegria entrava desmedidamente existe hoje uma melancolia espontânea, um dom lascivo, delirante, silencioso. sei de segredos irredutíveis, alguns insignificantes, outros origem de importantes mutações, com geografias, riscos, analogias — não fosse eu igualmente um princípio. tenho as portas e as janelas abertas, o meu gato olha para o reflexo da água no teto. enquanto me recordo do dia, concebo um mundo sem estirpes, entre o inesperado rigor de uma ampla partitura e uma imaginação profunda. tudo o que nele se manifesta é movimento e som, tem o inquietante sabor de uma potência íntima. é improvável que a possa compreender, mas não desejo interrupções.