o balneário
entrei para imediatamente me deparar com a nudez das poucas mulheres que o ocupavam, ou seja, com o extraordinário. descalças com uma toalha à volta do torso ou do pescoço, dirigem-se para a zona dos duches ou regressam ao seu cacifo para se voltarem a vestir. há uma que fala ao telefone: sentada nos bancos, indiferente ao que se passa à sua volta, olha para o chão e abre e fecha uma das pernas. é muito alta e quase não tem pelos, o cabelo comprido tapa-lhe o rosto. a sua lassidão é de tal forma atraente, que fico a pensar que também devia tirar os meus pelos. também devia ser magra, alta e estar sentada como numa pintura, com as costas ligeiramente curvadas e a cabeça a pender sobre o peito. enquanto me dispo, volto a pensar nas minhas cicatrizes. há muitos anos que não estava tão consciente delas, mas agora sei novamente que é para lá que vão olhar. uma mulher negra abre um cacifo ao meu lado. tem o peito pequeno e o rabo grande, umas cuecas de tigresa com renda cor de rosa que também invejo. porque não uso coisas assim? embora gostasse de me passear entre elas como num jardim, a observar os seus corpos nus, começo-me a despir. peça a peça revela-se a minha própria nudez imperfeita — como será a minha nudez? a instrutora passa sorridente com uma toalha em torno do corpo e outra enrolada à cabeça. pergunta-me se estou a gostar e eu respondo sinceramente que sim, apesar de me lembrar que quase desmaiei na primeira aula. ao mesmo tempo, reparo mais uma vez nos seus braços bem torneados cheios de sardas e tenho curiosidade pelas formas do seu corpo. devia ser possível admirar cada corpo muito tempo, atentar aos detalhes, poder perguntar porque tens essa cicatriz. depois de vestir o equipamento, fico sem saber onde guardar a chave do cacifo e uma mulher ao meu lado ensina-me a prendê-la aos atacadores da sapatilha. rimo-nos da minha inexperiência. saio o mais lentamente possível do meu lugar para ver quem ocupa os cacifos que estão mais longe. há quem ponha creme no corpo, quem seque o cabelo, quem se maquilhe. para pouca surpresa minha, os olhares evitam-se: a maioria destas mulheres despe-se com timidez na presença das outras. ainda assim, contrariando tudo o que publicamente se defende sobre a privacidade, este lugar onde a singularidade de um corpo trespassa a apatia, existe.