12 de janeiro de 2018

rascunhos

tenho textos guardados no blogue que já não sei se fui eu a escrever. não me lembro de os ter escrito e não me lembro de os ter copiado. estão, por isso, indefinidamente guardados nos rascunhos, onde anoto as ideias e de onde raramente apago alguma coisa. se fui eu a escrevê-los, não me lembro quando foi. podem ter passado anos ou apenas uma semana, é assim que funciona a minha memória, reduzida a uma dúzia de acontecimentos da minha vida e, com algum esforço, às necessidades prementes do dia-a-dia. com ou sem legitimidade transformo tudo o resto, de facto a ficcional e também inversamente. dou pouca importância aos factos na medida em que sirvam ou não para a sua descrição e, assim, um facto que não encontra o seu lugar na escrita é merecedor do meu desprezo, seja ele qual for. pelo contrário, factos ambíguos, híbridos e em metamorfose agradam-me e desafiam-me. tanto quanto vejo, é-me difícil diferenciar um facto ocorrido de um facto escrito e, quando leio, acontece frequentemente pensar que já vivi o que ali está escrito, tal como, quando me acontece alguma coisa, digamos, ver cair uma couve no supermercado e rolar até debaixo dos mostruários, pode ter o efeito de uma febre tão intensa que me julgo capaz de extrair dali um romance.