várias notícias, conferências, entrevistas e estudos sobre como morrer feliz têm-me chegado. resumi-los é fácil, pois todos apontam para a mesma resposta: estar com os outros. o otimismo parece ter invadido até mesmo a preocupação com a morte. não estar só deixou de ser apenas uma questão de sobrevivência: é uma forma de passar o tempo. o tédio da solidão dá medo. estar inseparavelmente face ao nosso mundo interno, com as suas personagens interiores, nada dever e nada esperar de ninguém, não ficar ferido pelo vazio das palavras ou dos gestos que desejámos e não apareceram, nada disso é socialmente edificador. a nossa sociedade, onde o que importa é o sucesso e a realização, é gerida pela pressão de conseguir e por uma positividade sufocante. mas é difícil manter o otimismo e o empenhamento quando a nossa capacidade de esperança rapidamente na vida troça da nossa desilusão e da nossa impotência. o que significa estar com os outros senão transpor permanentemente o atrito, as resistências e as oposições que as relações humanas acarretam? não é a solidão ela própria que dá medo, mas o abandono, a rejeição, o isolamento e a morte. o que significa o falhanço? quando nos tornamos um falhanço? falar da solidão como uma aventura que se escolheu, fecunda e desejada, tornou-se enigmático, extravagante, intraduzível. prezar os pequenos acontecimentos como o acordar, o deitar, o comer, o orgulho de conseguir resolver sozinho as mil e uma preocupações diárias, manter-se calmo, longe das tensões, dos gritos, dos trejeitos, não ter de lidar com a inconsequência, o egocentrismo e as presenças-ausência de que apenas com a dose certa de cinismo e sarcasmo se pode tentar escapar, nada disto é prezado como essencial. pergunto-me se não será possível, contudo, encontrar alegria estando face ao seu próprio vazio, uma alegria capaz de gerar certa bonomia que, no fim, seja suficiente.