Nós estamos entregues uns aos outros. Todos os nossos sentimentos, vontades e desejos, toda a nossa constituição psíquica individual, com todos os seus esconsos recantos e duras superfícies, de certa maneira, tornou-se mais rígida cedo na infância, quase impossível de romper, e defronta-se com os sentimentos, vontades e desejos dos outros e com a sua constituição psíquica individual. Apesar de os nossos corpos serem simples e flexíveis, capazes de beber chá pelas mais finas e delicadas porcelanas chinesas, e de as nossas maneiras serem boas, de modo a sabermos o que as diferentes situações exigem de nós, as nossas almas parecem-se com dinossauros, são volumosas como casas, movem-se pesada e lentamente, mas se tiverem medo ou ficarem zangadas são perigosíssimas, não têm qualquer escrúpulo em ferir ou matar. Com esta imagem quero dizer que, se tudo parece inspirar confiança por fora, no interior acontecem sempre coisas bem diferentes, e numa dimensão bem diferente. Enquanto uma palavra no exterior é apenas uma palavra que cai ao chão e desaparece, uma palavra pode tornar-se algo de enorme no interior e permanecer aí durante muitos anos. E enquanto um incidente no exterior é apenas um incidente, frequentemente previsível e sempre depressa ultrapassado, pode ser totalmente decisivo no interior e provocar medo, que paralisa ou provoca azedume, que paralisa ou, pelo contrário, provoca temeridade que não paralisa, mas que pode conduzir a uma queda.
Karl Ove Knausgård, No Inverno.