8 de dezembro de 2017
a manutenção das relações é feita através de um escrupuloso uso do silêncio. enquanto instrumento de autopreservação, esse silêncio pode introduzir um certo mal-estar ao revelar inadequação, incapacidade, impossibilidade ou simplesmente ao dar a perceber a relação com o outro como uma relação complexa e contraditória. aquilo que preferimos não dizer, porque não queremos, não podemos ou não devemos, constitui a essência dessas relações e determina a sua verdade porventura mais do que o que é dito. isto significa que o que é silenciado tem mais poder na medida em que é formador de uma identidade e define a elasticidade de um vínculo. é por isso que séries como Friends ou Seinfeld têm tanto sucesso: um grupo de amigos que vivem praticamente juntos e veem tudo o que sentem e pensam ser acolhido por uma aceitação incondicional, sem nunca provocar a grande calamidade da rutura, o que pode haver de mais consolador? na realidade as pessoas não são assim. enquanto instrumento de comunicação, a linguagem mostra-se particularmente inadequada e ineficaz para dar conta daquilo que se desenvolve na sensibilidade individual e o silêncio acaba por ser a possibilidade que temos de fazer face à nossa incompletude e contradição constitutiva. são categorias como estas — a fissura, a imperfeição, o inconveniente — que nos situam na relação com os outros e nos deixam ver como qualquer discurso remete sempre para outro discurso. há coisas que, uma vez ditas, arruinariam uma relação e é precisamente isso que nos permite verificar as suas bases. se o silêncio ameaça o discurso, o diálogo, a expressão e a comunicação, é também nos silêncios que tentamos captar, interpretar e assimilar os fluxos de pensamento. é neste sentido que o silêncio não é uma alternativa simples à palavra e pode ser pressentido como um sintoma de perigo ou de dor, revelando por sua vez a superficialidade da relação que as pessoas mantêm: é nos intervalos que algo que subjaz ao discurso continua a ressoar, algo que, voluntariamente retido, é tão ou mais importante do que aquilo que é dito.