5 de outubro de 2017
rostos com um bronzeado a sumir-se, expressões marcadas — ameaçadoras, entediadas, festivas —, vozes sem nexo, vozes cujo nexo se precipita na rede lá em baixo, em plena escuridão, mas como se no mergulho vissem um campo de margaridas ao sol, uma audição voraz, também ela a sumir-se, jovens ansiosos por se porem ao lado dos poderosos, risos remotos, estranhos, uma pequena vontade que se ignora, uma massa popular que revela vigor, pureza e rudez ao mesmo tempo. no facebook há pessoas que refletem sobre a sua ligação a empresas, denunciando o seu mau funcionamento ou exaltando as suas vantagens de uma forma que roça perigosamente a intimidade. durante a campanha eleitoral são várias as exaltações. descobri um indivíduo que acabava sempre assim as suas frases nos comentários, "CDU a Força Necessária", como um carimbo, mesmo que antes tivesse falado de batatas. «as melhores batatas para assar são as pequenas. CDU a Força Necessária». é disto que a vida se faz. disseram-me «és linda, nunca mudes» e achei tão feio dizerem-me aquilo, porque se está sempre a mudar e o que é lindo numa pessoa não se pode reduzir a uma frase daquelas, extensiva e en passant, é um silêncio que choca contra nós, em bruto, como uma derrocada, na maioria das vezes a partir de um detalhe insignificante, como tropeçar nos próprios pés ou dizer mal daquilo de que toda a gente diz bem. enfim, quando não estou apaixonada pergunto-me como conseguem as pessoas apaixonar-se com tantas idiossincrasias que reunimos, essas coisas chatas que exigem uma enorme capacidade de adaptação, cedências, altruísmo, coragem. mas eu vivo debaixo de uma loucura que não me permite observar a vastidão do tempo e do espaço, que é feita de familiaridades e ingenuidade. só vejo vestígios, eles próprios interrompidos, aos quais sou comovedoramente fiel.