10 de setembro de 2017

por vezes, quando me levanto depois de escrever, a minha casa parece não ser a minha casa. distante dos objetos que a preenchem, sinto-me nela como se estivesse de visita, como se estivesse longe de onde realmente vivo, numa casa, digamos, emprestada. nem as suas paredes nem aquilo que a ocupa me pertence, não tenho nada para além do corpo que se move no escuro, tateando corredor fora até ao interruptor. e na verdade, mesmo a esse corpo tenho dificuldade em chegar. tudo se passa como se demorasse a voltar de uma viagem a um sítio longínquo. regresso a casa lentamente e penso por vezes que talvez seja essa uma das razões porque não consigo escrever senão no mais completo isolamento e silêncio. não sou só eu que regresso, mas as próprias coisas. também elas voltam a murmurar e a olhar para mim, querem contar-me a sua história. a absoluta normalidade tem algo de comovente e ao mesmo tempo de solene. a vida, destinada a ser perdida, tem qualquer rotina de celebração.