14 de agosto de 2017
acordou sem nome a meio da noite de pesadelos demasiado reais nos quais se movia voluntariamente e, deslumbrada, como se lhe fosse revelada uma língua nova, lembrou-se primeiro do nome dela e só depois do seu. abriu a janela, o vento soprava quente, ouviam-se vozes longínquas, a lua iluminava os telhados como se proibisse um segredo e, enquanto a olhava, sentiu que não gostava de ter Lúcia entre as suas recordações. deambulou ao acaso pela casa, suspeitando que estava a mentir. bebeu água como se estivesse a espantar demónios e voltou à cama, onde os lençóis brancos desfeitos lhe pareceram acolhedores. esperou pela manhã sem esperança de voltar a adormecer. lembrava-se da língua dela na sua boca, de um terror imprevisto que deu lugar a um frémito ousado, da mão frágil e em brasa como um chicote. detestava a ideia de ser apenas ela a ter aquelas recordações e teve vontade de rir, um riso sarcástico que a fez apertar o estômago até sentir dor. como ácido, a obsessão desorientava-a reduzindo-a a um animal ferido em fuga e esvaziando-a. teve medo de não voltar a sentir aquilo outra vez mas reconfortava-a o seu desaparecimento, era quase como viver com um fantasma, inócuo como a sombra de um nome. secretamente contudo, havia reflexo dele nas suas intenções: talvez não voltasse a vê-la mas sabia que não podia recuar e voltar a amar um homem. sucumbia assim a uma juventude tardia, alegre e insensata, que a atingia em cheio desfazendo a tensão. com os olhos no teto, depois do esgotamento, viu-se na posse do seu corpo violando todas as proibições sem punição, sem ameaça e sem culpa.