10 de janeiro de 2017

Quando era pequena — tanto que as minhas memórias desse tempo são vagas —, tinha um ritual que forçava a minha família a cumprir: devíamos reunir-nos aos domingos, em casa da minha avó, para o «chá com todos». A pequena mesa da sala, com pés finos e um tampo de mármore, sobre a qual a minha avó colocava uma toalha de renda fina, enchia-se de bolos de cabeça, brendeiras, línguas de veado, bolos de noz e de amêndoa e, claro está, um bule de chá, forte e cheiroso. Se porventura alguém dissesse que não podia estar presente no próximo domingo eu sofria a maior das angústias, massacrando os meus pais com porquês e procurando convencê-los a convencer o familiar em questão a estar presente. Não sei exatamente quando deixámos de nos reunir mas creio que foi por altura do divórcio dos meus pais, quando eu, por muita angústia que guardasse, já não falava. Ainda hoje, porém, frequentemente me interrogo sobre a intensidade emocional que estes encontros me causavam e que, de alguma forma, penso estar ligada a um desejo de integração frustrado que a demanda comunitária pretendia disfarçar. Como a solidão pode ser tão relevante desde logo na infância é algo que me surpreende. Durante muitos anos mantive a convicção de que poderia adaptar-me, senão à sociedade (pois o que é a sociedade?) pelo menos a um grupo, qualquer grupo. No entanto, nunca fui nada. Enquanto me juntava ao grande trânsito da cidade, subindo e descendo escadas para apanhar transportes, correndo para conseguir um lugar nas filas, ouvindo o rádio, vendo televisão, procurando um lugar nas repartições do Estado, sabia que a grande diferença entre mim e aquelas pessoas era que eu não tinha casa e, por isso, o meu tempo sempre foi contemplativo, sem afã. As minhas urgências encontram-se rodeadas de incompreensão, não só dos outros em relação a elas mas também de mim em relação aos outros e fundamentalmente em relação à vida em si. Não posso dizer que não tenho já o desejo de me integrar. Quando vejo casais com prole, quando sei de amigos que viajam ou que produziram alguma coisa, ocorre uma centelha despertar em mim a pergunta «e não poderia eu?». Contudo, já não tenho a ilusão de pertencer e mesmo essa centelha é cada vez mais longínqua, rara e ténue. Sei que, ainda que fizesse alguma dessas coisas, seria sempre de modo isolado, pois o meu país, a minha casa, consumiu-se, desapareceu, se é que alguma vez existiu, e não haverá regresso. Levei anos para conseguir encontrar nisso alguma paz e, se a encontrei, foi também através do exemplo de pessoas que muito prezo e que aceitam, não sem por vezes a contestarem, a minha simplicidade e a minha ignorância. Mas as pessoas, como as casas, não permanecem. E é assim que está bem; embora todos procuremos alguém que nos compreenda, esse momento redentor, para quem tem a sorte de o viver, será efémero. Outra razão essencial foi a literatura, cujo encontro silencioso sem cessar me enriquece.