17 de agosto de 2016

devia ter cerca de doze anos quando participei num concurso de poesia, organizado pelas Guias de Portugal, de que eu fazia parte, e pelos Escuteiros. escrevi um longo poema, a meu ver muito mórbido e sombrio, que, para minha surpresa e aflição, descobri depois ser obrigatório decorar. nessa altura eu queria conhecer um rapaz mais velho, o mais bonito de todos os rapazes, que era neto da minha professora de música. decidi que ele tinha de participar de alguma forma e propus que o poema fosse acompanhado ao piano: ele tocava piano e foi imediatamente sugerido como solução à minha grande ideia. perto do acontecimento, tivemos alguns ensaios, altura em que tinha planeado chegar à fala com ele. os ensaios eram no palco onde se realizaria o concurso. eu entrava pela frente do edifício, entrava na sala e subia as escadas para o palco, mas ele vinha dos bastidores, com as suas teclas, nariz no chão e semblante contrariado. mal trocámos duas palavras no conjunto de todos os ensaios. a professora de música dava-lhe instruções, eu declamava várias vezes o poema ainda a seguir a escrita. no dia da apresentação estava tão nervosa que quis desistir e na altura de subir ao palco tive a sensação de me partir em pedaços. subi, encaminhei-me para o meio e olhei para a plateia. cheia, repleta, a transbordar de olhares que não reconheci. comecei a declamar o poema e pelo meio esqueci-me da frase mais importante, justamente a que lhe dava sentido, mas era impossível voltar atrás. nesse momento comecei a chorar compulsivamente, continuando a dizer o poema até ao fim. quando mais tarde anunciaram os prémios, chamaram-me. eu, incrédula e envergonhada, queria confessar que me tinha esquecido de uma parte e portanto não merecia ganhar nada. explicaram-me então que não iria ganhar o primeiro prémio porque o meu poema não tinha respeitado uma das regras do concurso, que era falar sobre a Nossa Senhora. eu não fazia ideia que era preciso falar da Nossa Senhora e fiquei contente por não o ter feito, porque não tinha nada a dizer sobre ela. depois disseram-me que a qualidade do poema não podia passar despercebido bem como a emoção com que tinha sido dito e portanto ficaria em segundo lugar, com o acordo de todos os membros do júri. recebi uma estatueta e a plateia aplaudiu de pé. e eu ali fiquei a pensar que só chorei porque me enganei a dizê-lo, sem poder dizê-lo a ninguém. nem sei se agradeci. deram-me umas flores, rosas vermelhas. pensei qualquer coisa sobre a vida enquanto aquela gente toda aplaudia de pé. que provavelmente era aquilo, um bueiro de logros. não se pode gritar: enganei-me e vocês não perceberam nada do poema, estão a aplaudir a quê?