19 de junho de 2016

S. é uma rapariga qualquer, de calças de ganga e t-shirt comprada na H&M, com a cara cheia de sardas. F. observa o seu longo cabelo preto e os dois mantêm-se em silêncio porque entre eles não há nada para dizer, a sua presença basta. A campainha soa e alguns convivas saem para o jardim com o copo na mão, lançando-lhes um olhar cúmplice. S. não se mexe, não desvia o olhar, não sorri, não finge ocupar-se com nenhuma ação. Sob aquele sol seco e esplendoroso, a luz transmite uma profunda paz e, no meio de toda aquela gente que pergunta por quem está à porta, cujas vozes ecoam surdas dentro do calor como se fossem inventadas, F. sente-se desmaiar. A sua atenção, no entanto, não se desvia dela. desesperado como um miúdo, cada gesto pesa dentro daquele universo com certa religiosidade, como se estivessem nus, e não serve para mais nada senão para tornar o momento ainda mais mudo. F. descobre-se como um silencioso escravo. Seria capaz de cometer um crime, pensa. exatamente nesse momento, S. olha para F. pela primeira vez. com igual surpresa — e grande angústia —, o crepúsculo ameaça cair: um galo canta, a sirene da fábrica soa ao longe, a luz cerca-se de uma sombra ténue mas profunda. contraditório, o ar austero de S. é impossível de ignorar e, enquanto a campainha soa várias vezes, F. tem a sensação da alegria cessar completamente. enquanto lá em baixo o portão se abre, S. mergulha na piscina e, obedecendo ao seu instinto, F. mergulha também. por fim, depois de nadarem umas braçadas, numa voz breve, tem a coragem de falar.
— É engraçado. Mal entro na piscina dá-me vontade de urinar. — S. tem a cabeça baixa e uma expressão estranha nos olhos. F. prossegue: — Achas muito mal que faça aqui?
— Não acho que faça bem.
— Talvez seja assim que me queiras ver. Como um parvo ou um desastrado.
— O que é que quer dizer com isso? — S., que não pode esconder um leve sorriso, está inquietada mas continua: — Não tenho nada a ver com o que você faz.
F. mergulha a cabeça, nada em direção à escada e sai da piscina. — Até já. — diz-lhe, deixando-a a flutuar à deriva. já de costas voltadas e alguns passos adiante, ouve-a responder: — Há sempre a possibilidade de reter água na boca.
F. torna a voltar o corpo para a piscina e conforta-a.
— Podes sair por outra escada.
S. guarda silêncio. F. continua:
— Amanhã saímos cedo, para um passeio. Não se aproveita melhor um dia no campo como a passear.
Saindo da piscina pela mesma escada, S. responde:
— Somos personagens de uma fábula.
— Quem irá burlar quem?