28 de setembro de 2015
no momento em que S. perdia o filho, um desconhecido saltava de um comboio em andamento e, por ser demasiado pobre, uma donzela roubava fruta pela primeira vez. quando lhe trouxeram a notícia, recordou-se da Ode para o Aniversário da Rainha Ana, de Handel, e, sem dizer palavra, ouviu-a mentalmente, nota a nota e do princípio ao fim, sentada no sofá da sala. só voltou a vê-lo já cadáver, dentro de um caixão, com um fato do pai que em vida nunca teria usado. nesse momento o relinchar de um cavalo soou abafado por detrás das casas e uma mulher enlouqueceu sobre uma passadeira, enquanto atravessava a rua. enlouqueceu mas não sorria. depois das exéquias e do funeral, a que assistiu impassível, acolhendo com amabilidade e delicadeza todas as homenagens e manifestações de pêsames, passou a reparar nos ângulos formados pela luz do sol, da alvorada ao crepúsculo. gostaria de nunca mais ter pensado mas até Deus, que também perdeu um filho, cria o mundo todos os dias.