14 de abril de 2015

lembro-me da estranha sensação de partilha de intimidade quando vi uma exposição com companhia pela primeira vez. lembro-me de corar intensamente e baixar os olhos com um sorriso envergonhado diante de um quadro, reação que me fez pasmar dada a sua imprevisibilidade e inverosimilhança. nem os livros nem o cinema nem a televisão nem os amigos me haviam trazido notícia de tal possibilidade e contudo, a intensidade do meu pudor e o olhar de embaraço de quem me acompanhava, por sinal também ele virgem, davam-me a pensar que eu poderia não ser a única pessoa no mundo a conhecer a sensação. como se, diante de uma obra, não só nos despíssemos, mas tivesse lugar uma estimulação recíproca, de caráter secreto, privado, profundo, através da qual nos revelamos. Etty Hillesum diz que ainda é mais difícil falar de fé do que das coisas íntimas e, quando li isso, pensei que percebia perfeitamente o que ela queria dizer. mas não tinha na altura apercebido um espaço assim tão vasto para as coisas íntimas.