A nossa entrada [na CEE] vai provocar gravíssimos retrocessos no país, a Europa não é solidária com ninguém, explorar-nos-á
miseravelmente como grande agiota que nunca deixou de ser. A sua
vocação é ser colonialista. A sua influência (dos retornados) na
sociedade portuguesa não vai sentir-se apenas agora, embora seja imensa.
Vai dar-se sobretudo quando os seus
filhos, hoje crianças, crescerem e tomarem o poder. Essa será uma
geração bem preparada e determinada, sobretudo muito realista devido ao
trauma da descolonização, que não compreendeu nem aceitou, nem esqueceu.
Os genes de África estão nela para sempre, dando-lhe visões do país
diferentes das nossas. Mais largas mas menos profundas. Isso levará os
que desempenharem cargos de responsabilidade a cair na tentação de
querer modificar-nos, por pulsões inconscientes de, sei lá, talvez
vingança!
Portugal vai entrar num tempo de subcultura, de retrocesso
cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente. Mais de oitenta por
cento do que fazemos não serve para nada. E ainda querem que trabalhemos
mais. Para quê? Além disso, a produtividade hoje não depende já do
esforço humano, mas da sofisticação tecnológica. Os neoliberais vão
tentar destruir os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos
aos idosos. Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a
por gente neste desgraçado mundo e votos neste reaccionário centrão.
Há a cultura, a fé, o amor, a solidariedade. Que será, porém, de
Portugal quando deixar de ter dirigentes que acreditem nestes valores?
As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome,
corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A
Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a
maior conquista do 25 de Abril, e Estado Social e a independência
nacional sofrerão gravíssimas rupturas. Abandonados, os idosos vão
definhar, morrer, por falta de assistência e de comida. Espoliada, a
classe média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres. A
indiferença que se observa ante, por exemplo, o desmoronar das cidades e
o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de outras derrocadas a
vir.
Natália Correia