O consultório do meu pediatra tinha as paredes negras. A secretária
dele, diante da qual eu me sentava numa cadeira ao lado da minha mãe,
com um bloco cheio de desenhos da sala de espera na mão (que não queria
mostrar a ninguém) era de vidro, e sobre ela, um candeeiro largo e
redondo iluminava toda a sala com uma luz amarela suave. Ao lado do divã
havia outra luz, na extremidade de um candeeiro de pé alto muito fino,
que ele deslocava sobre o meu corpo. Havia uma balança de onde
eu descia sempre para ouvir que tinha de comer mais e usavam-se
espátulas de madeira para ver a garganta, que davam vómitos. Lembro-me
dele, simpático e careca. Lembro-me do nome dele. Lembro-me da voz dele.
De tudo isto me lembro porque numa das paredes do consultório havia um
poster do The Kid. Era um poster a preto e branco absolutamente
gigantesco pelo qual fiquei hipnotizada no momento em que o vi pela
primeira vez. Duas pessoas, um adulto e uma criança, estavam sentadas no
degrau de uma porta. Lado a lado, apertados na ombreira para
conseguirem caber os dois. O meu pediatra era
a-pessoa-que-tinha-o-poster. Um mago, um sábio, um alquimista, na sua
caverna negra de luz suave e quente, com voz doce e grave, que resolvia
tudo. Apercebendo-se do meu fascínio, pois desde que chegava ao
consultório arranjava sempre maneira de ficar a olhar para as figuras no
poster, um dia, estava eu deitada no divã, perguntou-me sorridente, com
um olho virado para mim e o outro para a minha mãe: «Achas que estão
tristes ou alegres?» A pergunta deixou-me perplexa e não respondi.
Pensei naquilo muito tempo e durante muito tempo voltei ao consultório
sem saber a resposta. Para meu grande alívio, ele nunca mais voltou ao
assunto. O meu problema não estava em achar que aquelas pessoas pudessem
estar imersas numa ou noutra dessas emoções, permanecendo contudo
indecisa sobre elas. O meu problema era justamente achar que não estavam
tristes. E que também não estavam alegres. Portanto, se não era
tristeza, mas também não era alegria, essa outra coisa, o que era? Estava
no olhar e no corpo deles, adulto e criança, maltrapilhos e sujos (não
como quem tivesse acabado de jogar à bola mas como quem era muito
pobre). Era uma dádiva. E era a única coisa em que eu queria pensar.