Quando fiz o Jacarandá com o Jonas Lopes, queria falar sobre a fragilidade. Estávamos os dois integrados num curso que a companhia Clara Andermatt promoveu em 2013 e para meu grande gáudio e surpresa, o Jonas declarou subitamente querer trabalhar comigo. Depois de lhe explicar o que tinha em mente fazer, o Jonas disse: «deixa cair tudo o que é acessório.» Foi nesse momento que comecei a trabalhar.
Escrevi a
alguns amigos pedindo que me enviassem «os seus silêncios». Explicava
que a palavra silêncio não deveria ser entendida de maneira literal pois
referia-se aqui aos momentos em que nós próprios ficamos suspensos, em
silêncio, perante o tempo e o espaço particulares a essa suspensão.
Podia ser um momento em que decidissem agora
vou-me sentar aqui 5 minutos a não fazer nada ou quando deparassem com
alguma coisa que os remetesse a esse estado, enfim, seriam possíveis vários
exemplos, como esse de sair à rua e descobrir que os jacarandás floriram
durante a noite.
Mostrei cinco silêncios: da Vânia Rovisco, do Pietro Romani, da
Andrea Brandão, do Gonçalo Alegria e da Vanda Medeiros. Conhecia todas as histórias por detrás
destes silêncios, ou imaginei-as mas referi ao público apenas o lugar e a hora a
que tinham sido gravados. A Vânia estava a passear na praça Tahir, em
Istambul, poucos dias após a ocupação ter começado. O Pietro gravou o
seu silêncio no jardim de Torres Novas, a poucos metros do lugar onde
nasci. No silêncio da Andrea, o som da respiração e do coração dela
ecoaram pela sala. O Gonçalo gravou o silêncio noturno da última casa
onde viveu com a sua gata, dias antes de sair. A Vanda enviou-me o som do coração do filho
dela, a bater no meio das suas águas, e nessa altura prestes a nascer.
Entre as gravações contei uma história, explicando porque é que aos 10
anos comecei a interessar-me pela questão do silêncio. No processo, tudo
isto era muito claro.
Um dia, estávamos ainda a ensaiar, a
propósito de uma dificuldade que eu tinha de resolver, o Jonas
interrompeu-me e perguntou-me: «o que é que tu queres mesmo fazer.» Tive
um bocadinho de medo daquilo, mas respondi logo: «quero mostrar a minha
mão a tremer. Porque nesse dia vou estar a tremer.» O Jonas respondeu «feito». No desenho de luz anotámos APAGAR TODAS AS LUZES e pacientemente o Jonas iluminou a minha mão
com uma pequena lanterna. No entanto, quando mostrámos isto a primeira vez,
recebi muitas hesitações em relação a este momento. Uma mão a tremer,
isso não se mostra, disfarça-se. Havia que criar um movimento qualquer,
uma diversão, beleza. Tentei aprender a fazer isso (como gostaria de
saber dançar mesmo que fosse só com as mãos...). Mas qualquer coisa em
mim se obstinava em limpar tudo em torno daquela mão e deixá-la tremer.
Fosse como fosse, para o público bastariam os silêncios para a peça ser
insuportável e o que eu queria fazer era demasiado depurado para uma
primeira experiência. E o movimento para a mão foi estudado e ensaiado. Mas, embora tremesse muito menos do que tinha esperado (e neste caso, desejado), no dia da estreia deixei a mão praticamente imóvel sob a luz.
Para mim continua a ser o momento alto da peça. Não estou a falar de silêncio, estou a mostrar, a todos, o meu silêncio.