16 de setembro de 2014

o meu destino é desiludir
fado absoluto
apurado
de imperativo secreto
que se estende em latitude e longitude
e se aplica ao mais comum
porém com confusão e risco
como um plural indiviso.
por definição admiráveis
a simplicidade, a clareza e a graça
não podem desiludir
e o seu contrário é forma de estilo
para que a delicadeza desiluda
é preciso criá-la com malogro
que tolha a prévia reputação
só temos a certeza de ter desiludido quando somos deixados a sós
quando eu escrever um livro hei-de desiludir primeiro aqueles que amo
e logo depois aqueles que admiro
e especialmente aqueles que invejo
hei-de ser tão pobre que nada se aproveite
vou por cá fora um nado-morto
e se nascer vivo mato-o mal venha à luz
darei a experimentar o sabor da vergonha inesperada
subjugada à minha melancolia pusilânime.
é falível estratégia saber que não se é ineludível
eu que não sou mestre de nada
serei desiludida
por ter amado
e em resposta à exigência do meu
maciço
intento
a desilusão há-de abater-se de forma implacável
lenta.
imperfeita, tosca, ridícula
condeno-me à invisibilidade selvagem
a minha língua
provocará repulsa
e medo por portar sezão
morrerei frágil e indefesa como uma criança
inofensiva
cabalmente ignorada
nem o meu nome será impuro
porque não portará prodígio
pois a sua matéria é a depravação
que tem inveterada indecência
e fede.