8 de setembro de 2014

A sua admiração já se tinha denunciado em encontros anteriores mas até dele eu a mantinha em segredo, para que nada, como poderiam a sua vergonha ou medo, viesse corromper o que é puro. Tinha certo contentamento nela, que me fez compreender que a paixão ignora convenções e decretos. Isso não me assustava ou impacientava, pois o tempo ainda era tido por um mar seguro, onde as tempestades se atravessam e nunca fazem naufragar. Reconheci no entanto imediatamente nesse contentamento uma forma de correspondência espontânea a uma admiração que eu não tinha escolhido. E isso era novo. A consciência dos olhares dos homens adultos sobre mim era terrível, um conjunto de ameaças de que tinha de me desviar em permanência. O dele não. Naturalmente que por ser uma criança o seu desejo não transportava qualquer ameaça. Ele iria crescer e esquecer, pensava eu, e não havia qualquer razão para reprimir o que era tão belo.
Quando naquele dia o vi chegar à festa, estranhei que viesse tão bem vestido, com um fato azul e uma pequena gravata impossível de compor, o cabelo muito penteado com gel. Foi mais tarde que percebi a escolha, depois de já termos estado a falar e a repicar da mesa juntos. Eu estava sentada e do outro lado da pista de dança improvisada, o pai e o irmão falavam-lhe ao ouvido enquanto ele olhava para mim a sorrir. Depois a sua agilidade em desviar-se das pessoas que dançavam para chegar perto de mim, a mão estendida, o rosto vermelho, e um convite para dançar. Dancei a noite toda com ele e não queria ter dançado com mais ninguém. Não o conduzi, nem quando demos a mão para ir comer. Havia no meu sorriso uma felicidade submissa e ele sabia-o. Imponderavelmente, o meu contentamento estava a nu e a sua correspondência fez de mim a mulher mais feliz naquela sala.