21 de julho de 2014
Tarde de verão amolecida pelo silêncio e pela solidão. Pegava na bicicleta e saía para onde não me deixavam ir. O carreiro das cobras ia dar à autoestrada, talvez por isso. O meu corpo não era o de uma criança nem o de uma adolescente mas as portas iam-se abrindo. Entrava no carreiro com uma certeza felina, nítida, como uma visão. A terra seca levantava pó à minha passagem e de cada lado havia campos de cultivo a perder de vista, uma casa em ruínas à direita e duas frondosas filas de árvores e arbustos selvagens. No inverno a lama era tanta que havia sítios onde não conseguia passar, obrigando a que subisse a margem e caminhasse mal equilibrada sobre os arbustos. Moldadas na terra, as marcas de pneus da passagem dos tratores continuavam visíveis ao longo do verão. Mas eu pensava que talvez ninguém me pudesse ver: levantava o queixo, estendia o pescoço, abria os ombros. Quando chegava ao fim, um mundo desprotegido, agressivo, a grande incógnita onde eu queria embarcar: para Lisboa vai-se pela esquerda.